Caros e caras,
Passam este ano 22 Primaveras desde a assinatura do Tratado de Adesao de Portugal a entao Comunidade Economica Europeia. Eu sei que 22 e um numero estranho para se fazer um balanco por curto e incompleto que ele seja mas eu nao sei se a oportunidade e o ensejo provocados pelos posts do RPA me agucarao o espirito para escrever uma carta como estas daqui a 3 anos quando passados 25 anos fizer "muito mais sentido".
O meu proposito e escrever uma carta simples e em estilo directo para que todos nos possamos entender. O meu proposito e enumerar uma serie de factos e depois alinhavar umas linhas sobre a Europa, sem pretensoes mas tambem sem videos nem numeros demagogicos, sem parangonas propagandisticas. Simplesmente factos.
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- Ha 22 anos nao havia A1. Se bem se recordam, Para se ir de Lisboa ao Porto a unica opcao desponivel era a Estrada NAcional numero 1, lembram-se?
- Ha 22 anos a "Auto-estrada para o Algarve" terminava em Setubal... e era ver o farnel e as familias com os carros cheios ate ao tejadilho com o "pai" a empurrar o carro exposto ao sol de troia para poupar mais uns trocos na gasolina;
-Ha 22 anos nao havia IPs nem ICs e dai que se justificasse a musica dos Xutos "De Braganca a Lisboa sao nove horas de distancia" (eu acho que os rapazes ate foram simpaticos)";
-Ha 22 anos nao havia Centro Cultural de Belem, Casa da Musica e "must" do entertenimento cultural em Portugal talvez fosse o Eurovisao da Cancao ou as noivas de Santo Antonio;
-Ha 22 anos a unica travessia do Tejo disponivel na Capital do pais obrigava os lisboetas (e todos os que se delocavam de Norte para Sul passando pela capital) a passar um inferno dantesco, especialmente nos dias de Verao quando os carros (sem ar condicionado) facilmente se tornavam excelentes analogias de autenticas tostadeiras com rodas;
- Ha 22 anos nao havia a possibilidade de aceder aos servicos consulares de qualquer Estado da Uniao Europeia em qualquer ponto do Mundo;
- Ha 22 nao havia uma moeda unica, nem a tributacao do consumo se encontrava harmonizada na Europa;
Os exemplos multiplicam-se pela soma dos pequenos avisos que se encontram por todo o lado anunciando que se trata de um projecto financiado com "dinheiros de Bruxelas".
Eu sei que a vasta maioria de vos nao passa pela cabeca questionar os beneficios que Portugal obteve com o processo de integracao Europeia e que a lamentar terao, porventura, a ma utilizacao dos referidos dinheiros...
Eu sei tambem que os resultados de todas as eleicoes nacionais realizadas em Portugal, desde ha 22 anos, sao indicadores do consenso nacional sobre esta materia. Esclarecedor e o facto de, nos ultimos 22 anos, os partidos que ganharam eleicoes em Portugal, e os que ficaram em segundo e por vezes em terceiro, EM TODAS AS ELEICOES, se assumirem activos promotores do projecto Europeu.
E sabido que nos portugueses gostamos de mandar a nossa "bitaitada" sobre tudo e sobre nada (preferencialmente no cafe a beber um cafe e a comer um pastel de nata) e que outros, mais sofisticados, gostam de mandar umas "postas" em blogues pessoais. Mas sabemos tambem que ja tivemos a nossa dose de referendos e aprendemos que os devemos guardar para discutir materias sobre as quais nao exista um consenso nacional...
A proposito de referendos permito-me fazer uma pequena digressao sobre o assunto: tende a generalizar-se uma ideia que tem tanto de estranha quanto de perigosa e preversa para o sistema politico. Trata-se de se entender que a democracia e mais perfeita quando a decisao politica e sujeita a referendo.
E uma ideia estranha porque Portugal, a imagem do resto do Mundo democratico civilizado, se assume como uma democracia representativa.
E uma ideia perigosa porque parte de um pressuposto desresponsabilizante dos orgaos de soberania: assume-se que a AR, que pode decidir sobre os nossos impostos, nao deve decidir determinados assuntos (que ninguem sabe muito quais sao) e que a decisao sobre estes deve ser devolvida aos portugueses;
E uma ideia perversa (ou que se expoe a perversao) porque provoca nos nossos politicos a tentacao de nao decidirem assuntos da sua competencia e responsabilidade. Utilizando uma imagem: o recurso indiscriminado ao referendo introduz um factor Pilatos na nossa democracia (a este tema prometo voltar num futuro post, assim as investidas anti europeias do meu caro RPA baixem de intensidade!).
Claro que, a parte das parcas regras constitucionais sobre o assunto (as quais muitos desconhecem e que ate levou PSL a propor um referendo sobre o aeroporto de Lisboa), nunca se discutiu o que e materia referendavel e o que nao e materia referendavel.
Mas voltando a Europa, caros amigos, temos ou nao motivos para temer o processo de integracao Europeia? A minha opiniao e clara. Se alguma coisa temos a temer e precisamente um bloqueio no processo de integracao ou um qualquer louco ou salazarista retrocesso rumo ao orgulhosamente sos.
O processo de integracao da Europa, a escala da evolucao politica, vive ainda a idade da adolescencia. E, pois, natural que sintamos, aqui e ali, as consequencias de um processo in media res... O retrocesso nao e solucao. Disso se apercebeu e bem o CDS-PP de Paulo Portas quando mudou a sua opiniao sobre a Europa...
Nao se tratou de conformismo. Tratou-se de perceber o que e melhor para Portugal!
Retrocesso? Abandono da pauta aduaneira? Abandono das liberdades economicas fundamentais? Dizer NAO aos fundos estruturais (ou eventualmente devolver o respectivo montante...)?
Referendar ao Tratado? Porque? Com que base? E se assim for, porque nao referendar a entrada de Portugal para a ONU? Referendar a entrada de Portugal para a NATO? Referendar a entrada de Portugal na OMC? Referendar todos os acordos internacionais de que Portugal e parte? Referendar anualmente a Lei do Orcamento de Estado? Etc, etc, etc...
Para os que acusam a UE de falta de debate e preciso dizer que o debate sobre a UE se faz todos os dias atraves das televisoes, radios, jornais, internet (dai que seja preciso anunciar para informar, para que o obscurantismo nao prevaleca).
Para os que acusam a UE de falta de debate fiquem a saber que esse debate esta ongoing:
http://europa.eu/debateeurope/index_pt.htmPara os que acusam a UE de falta de transparencia urge que esses paladinos da moral e dos bons costumes se preocupem com identicos problemas infelizmente vividos em Portugal, nao so no Parlamento como nos Tribunais e que nao se esquecam que "os senhores de Bruxelas" sao eleitos ou designados pelos cidados de cada Estado (ou pelos seus representantes, consoante os casos).
Aqui chegados, torna-se claro que a questao e mais elementar. A divisao (se e que ainda existe)encontra-se entre aqueles que acreditam que Portugal e a Portugalidade jamais se diluiram no todo Europeu e os que receiam que isso aconteca. A divisao (a existir) e cavada por aqueles que fazem questao que a ponta da unha da caneta que assina a referenda da lei seja "made in Portugal". Pessoalmente faco parte do primeiro grupo. Confio no poder da Portugalidade e confio no modelo de Europa a que aderimos, respeitador e integrador das nossas diferencas. Nao tenho, pois, medo de uma Europa plenamente integrada, de uma Europa Federal. Nao ha razao para ter medo apenas razoes para ter confianca.
Por fim um desejo: que Portugal faca mais e melhor para aproveitar esta oportunidade.
Um beijinho e um abraco a todos
Miguel
PS: A ausencia de sinais ortograficos, nao representa nem uma opcao estlistica (de duvidosissimo gosto), nem, tao pouco, uma vontade de reinventar a escrita em portugues (evidente que seria o pretensiosismo). Trata-se antes de um PC configurado para ingles, e nada mais!