quinta-feira, setembro 06, 2007

A responsabilidade do Estado

Deixei aqui a ideia de que me pareciam avisados os alertas do PR relativamente ao decreto da AR que aprova o regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas.
O Adolfo Mesquita Nunes, que (também) em Direito Público, em geral, e Direito Administrativo, em particular, é bem mais conhecedor do que eu, lançou, na caixa de comentários daquele meu post, uma série de dúvidas que, sendo genuínas, não escondem uma oposição de princípio ao que eu defendera. De resto, conhecendo o seu pensamento, essa oposição não me surpreende.
Deixei expresso o entendimento de que "antes do alargamento dessa responsabilidade (justo) tem de dotar-se o Estado dos instrumentos e da disciplina necessários e suficientes para que esse princípio ressarcitório surja devidamente contextualizado". Quis dizer com isto que o legislador pensa que resolve os problemas dos cidadãos dando-lhes a possibilidade de serem indemnizados quando devia ocupar-se em evitar a ocorrência da lesão.
O Adolfo, e bem, pergunta-se sobre os instrumentos e a disciplina de que falo eu. E recorda a existência de diplomas legislativos que regulam a actividade da administração pública, como o CPA, os PRACES, o CPTA. E também há a LGT e o CPPT, para falar em textos que conheço melhor.
Ainda que não tropece nestes diplomas todos os dias, sei bem que não é a sua existência suficiente para que o Estado se possa reclamar de uma disciplina irrepreensível. Recordo um exemplo, há pouco noticiado: a administração fiscal exigiu a uma série de contribuintes, erradamente, ilegalmente portanto, pagamentos por conta indevidos. Anos depois reconheceu o erro. Só quem não conhece a administração fiscal pode ficar surpreendido com isto. Há CIRS, CIRC, LGT, CPPT ... e nenhum desses diplomas impediu este erro tão grosseiro. O Estado propõe-se reparar os prejuízos que foram causados a estes contribuintes, e bem, mas o ponto que quero sublinhar é que estes casos resultam de uma deficiente estrutura administrativa e não da ausência de boas legislações e que eles (os casos) são muito mais frequentes do que aquilo que seria desejável.
Outro exemplo: o artigo 12º do Decreto vetado considera indemnizáveis os danos provocados pela violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável. É um bom princípio, mas conhecerá o legislador os tribunais portugueses? Aqueles em que os magistrados têm de interromper as diligências para andar de vassoura atrás de ratos? Em Lisboa...
Há muita coisa a fazer primeiro, meu caro Adolfo, antes de enganarmos os cidadãos com promessas de que serão ressarcidos. Repito: eles não devem querer ser indemnizados. Querem só que os não prejudiquem.

6 Comments:

Blogger AMN said...

hmmmmm
espera lá que eu já te avio, mas no aadf!
um abraço

9/06/2007 11:28 da manhã  
Blogger Gabriel Silva said...

«Outro exemplo: o artigo 12º do Decreto vetado considera indemnizáveis os danos provocados pela violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável. É um bom princípio, mas conhecerá o legislador os tribunais portugueses? Aqueles em que os magistrados têm de interromper as diligências para andar de vassoura atrás de ratos? Em Lisboa...»

Pois, mas isso não é relevante para defesa dos interesses dos cidadãos. Estes tem o direito a uma justiça em tempo útil, independentemente das condições de funcionamento dos tribunais, pelas quais não são responsáveis.
A não ser assim seria compensar o infractor.
Imagine-se uma empresa alegar que não pode pagar os impostos, porque a sua contabilista tem más condições de trabalho ou o sistema informático funciona com deficiencias. Who cares?

Acresce que introdução desse principio de justiça de indemnização pelos prejuízos causados, será o melhor incentivo ao sistema público para que passe a funcionar melhor.

O inverso, apenas reconhecer tal principio quando o sistema funcionasse melhor seria na prática um incentivo á manutenção do status quo, na medida em que não haveria nenhum incentivo material á mudança.

Por fim, o próprio estado assinou uma convenção, a dos direitos do homem, onde reconhece tal principio, e onde tem sido sucessivamente condenado por negação de justiça em tempo razoável. Mal seria que reconhecesse o direito no ambito de uma jurisidição internacional e não fizesse o mesmo ao nível interno.

9/10/2007 12:00 da tarde  
Blogger Nuno Pombo said...

Caro Gabriel,
Permito-me rebater.

Eu percebo esse argumento, mas entendo-o, sobretudo, numa lógica do lesado, do cidadão. Já o percebo menos quando aplicado ao legislador. O primeiro impulso do legislador, continuo a pensar, deveria ser o de aplicar os tostõezinhos que prevê gastar em indemnizações a modernizar os tribunais. Deveria ser, depois de ter percebido que as pessoas têm direito a uma solução jurídica em tempo adequado, dotar os tribunais de ferramentas (técnicas e humanas) que lhes permitam uma capacidade de resposta "adequada".

Já o Adolfo tinha considerado que o Estado já está moldado de forma a poder assumir essa responsabilidade. Agora vem o Gabriel dizer que "a introdução desse principio de justiça de indemnização pelos prejuízos causados, será o melhor incentivo ao sistema público para que passe a funcionar melhor.". Então se é assim, força! Como quero um Estado cada vez melhor, carreguem nas indemnizações... quantas mais altas maior o incentivo à melhoria.

Será esta a melhor maneira, Gabriel? Hummm... acho que não!

9/11/2007 8:34 da manhã  
Blogger Gabriel Silva said...

«Eu percebo esse argumento, mas entendo-o, sobretudo, numa lógica do lesado, do cidadão. Já o percebo menos quando aplicado ao legislador.»

exacto. Sucede que que não apenas sou mero cidadão e não legislador, como o interesse em causa abrange e é comum a todo e qualquer cidadão.

Pelo contrário, o dito «interesse do legislador» é inexistente. Ou deveria sê-lo em sociedades democráticas na medida em que os legisladores, enquanto representantes dos cidadãos deverão agir por forma a corresponderem aos interesses dos representados.

Habitualmente não é possível, nem sequer desejável contentar a todos os cidadãos, por existirem grupos diferenciados e interesses opostos, como é próprio de sociedades abertas.

Mas num caso como este, seria de estranhar que todo e qualquer cidadão não esteja interessado que, em caso de ser prejudicado pela acção/inacção do estado, este não seja devidamente responsabilizado e o dano ressarcido.

Assim, a noção de «interesse do legislador» perde todo e qualquer sentido, a menos que a classificação de «legislador» seja entendida no sentido de «classe», defensora de interesses próprios, enquanto agentes do estado e como tal desligados dos cidadãos.

Se assim fosse, tal «recusa de responsabilziação» seria não apenas ilegítima, como constituiria, (a acção impeditiva desta norma), um abuso de direito.

9/11/2007 1:35 da tarde  
Blogger Gabriel Silva said...

«Como quero um Estado cada vez melhor, carreguem nas indemnizações... quantas mais altas maior o incentivo à melhoria. »

em principio deveriam corresponder ao dano causado. Embora seja aceitável que por vezes se apliquem com caracter sancionatório.

9/11/2007 1:37 da tarde  
Blogger Nuno Pombo said...

Caro gabriel,
Concordo que não há, em sentido próprio, "interesse do legislador". Mas o gabriel, como cidadão, não pode evitar qualquer dano. O legislador sim, pode. E eu julgo sinceramente que todos os lesados deste mundo prefeririam evitar o dano a receber uma compensação por ele.

E sim, é verdade, a indemnização pode também ter carácter sancionatório e este, na linha do que o gabriel argumentou, é até o que faz mais sentido.

9/11/2007 3:55 da tarde  

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