quarta-feira, setembro 05, 2007

Veto responsável

O meu monarquismo, que dizem primário, gerou em mim um instinto que tenho sabido gerir com alguma facilidade: "se não podes dizer mal do PR, fica calado!" E o certo é que tenho tido muitos e bons motivos para falar abundantemente. Contudo, por uma vez, imponho-me uma excepção, para saudar o veto presidencial ao decreto da AR que aprova o regime de responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas.
Não quero contrariar o princípio segundo o qual o Estado (lato sensu) não pode, pelas suas acções ou omissões, lesar ilegitimamente os interesses dos particulares. Reflexamente, não posso deixar de concordar que os cidadãos têm o direito de exigir do Estado um actuação não lesiva dos seus legítimos interesses. Dizer isto, todavia, não equivale a sustentar que é pela via indemnizatória que melhor se defendem os direitos dos cidadãos. Estes, se estiverem de boa fé, não quererão fazer das reparações arbitradas pelos tribunais modo de vida.
De resto, o coro de protestos que se ouviu na sequência deste veto, ecoa um tique que pensava exclusivo de juristas: o de que, por via de decreto, tudo se resolve. Não é assim. Melhor fariam o Estado legislador e o Estado administrador, AR e Governo, se canalizassem os seus esforços no sentido de permitirem que o Estado possa actuar sem lesar os cidadãos. Basta ter um conhecimento mínimo do País que somos para perceber que a lesão ilegítima está longe de ser uma excepção de ocorrência muito episódica. Isto é um problema grave, insista-se. Mas não é a via ressarcitória a melhor maneira de o resolver. Pelo menos, nesta fase, atendendo ao estado da arte.
E para mais, esta estranha unanimidade parlamentar parece iluminar um estigma que julgava monopólio dos mais ferozes liberais: o de que o Estado são "eles", uma entidade difusa, posto que espúria. É preciso dizer que o Estado, para mal dos nossos pecados, somos "nós".
Se esta iniciativa legislativa for para a frente, com a abrangência anunciada, como contribuinte, tenciono recorrer aos tribunais para exigir a reparação dos prejuízos que, com ela, os senhores deputados me causarão. Espero que essa possibilidade o legislador não tenha coarctado. E espero também que, depois, se exerça o direito de regresso contra a ilustre deputação.
Temo porém que, sob uma capa de aparente bondade, se descubra apenas uma imensa irresponsabilidade.

3 Comments:

Blogger AMN said...

Nuno,

Se não é a reparação indemnizatória, que a ser julgada em tribunais administrativos todos sabemos como vai ser mitigada ao extremo, qual é a forma de reparação estadual pelos danos (nãó só por actos ilegais) causados?

Um abraço,
a.

9/05/2007 12:14 da tarde  
Blogger Nuno Pombo said...

Caro Adolfo,
Não ponho em causa a reparação estadual dos danos. Acho que isso é, de resto, uma decorrência natural de um Estado de Direito. Parece-me é que as casas não começam a construir-se pelo telhado. Antes do alargamento dessa responsabilidade (justo) tem de dotar-se o Estado dos instrumentos e da disciplina necessários e suficientes para que esse princípio ressarcitório surja devidamente contextualizado. É irresponsável (em todos os sentidos), achar-se que a defesa dos cidadãos começa aí. Acaba com esse princípio, mas não pode começar com ele. Os cidadãos mais do que quererem ser indemnizados querem é que os Estado os não prejudique. É nisto que o legislador devia concentrar-se.

9/05/2007 5:46 da tarde  
Blogger AMN said...

Mas Nuno,

Desconheço de que instrumentos e disciplina falas. Actualmente, a Administração está conformada por um conjunto de princípios e leis que, em grande parte, satisfazem as necessidades de contextualização. Falo do CPA como dos PRACES como do CPTA.

Não vejo no regime da responsabilidade, sinceramente que não, uma forma de indemnizar a metro e a todo o custo. Antes pelo contrário, vejo nele o mais seguro e eficaz mecanismo de disciplina da Administração.

9/05/2007 7:16 da tarde  

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