terça-feira, junho 26, 2007

BOA BERARDO!

Meus queridos leitores,
Fiz publicar, no dia 10 de Agosto último, neste Blogue que muito vos estima, um texto que mantém plena actualidade (como quase todos os que vos dou a ler!)

Dizia assim:

Foi ontem publicada no Diário da Rep..., no jornal oficial, prefiro, a maior pérola jurídica dos últimos tempos. Refiro-me ao diploma que cria a Fundação Colecção Berardo. Não vou ao ponto de dizer que é uma vergonha, porque admito que as leviandades de que enferma o documento sejam explicáveis... ainda que pouco relatáveis. Não presumo a estupidez alheia e confio nas racionalidades ocultas. Aquilo não pode ser a lástima que aparenta. Tem de estar ao serviço de interesses outros e, nessa medida, admito que seja um eficaz instrumento.
Quero a este propósito apenas realçar uns quantos pontos, para reflexão de todos, mesmo dos menos habituados a raciocínios jurídicos.
1 - Esta Fundação não tem nada que ver com a propriedade da Colecção Berardo. Ela visa apenas a instalação, manutenção e gestão do Museu Colecção Berardo. A Colecção continua a pertencer ao seu proprietário. É clara a alínea e) do artigo 5º dos seus estatutos: "o património da Fundação é constituído pelas obras de arte integradas na Colecção Berardo se e quando a mesma vier a ser adquirida pelo Estado".
2 - Há, para aparente defesa dos seus interesses, um direito de opção de que é titular o Estado. Ora, um direito de opção é uma posição jurídica que permite ao seu titular, mediante condições previamente acordadas, unilateralmente, celebrar um determinado contrato. Contudo, este sui generis direito de opção é de gargalhada. O Estado exerce-o comunicando à Associação Colecção Berardo (proprietária da dita, presume-se), até ao fim de 2016, que pretende exercê-lo. Este direito (??) porém extingue-se se a Associação não aceitar o preço determinado por avaliação independente.
3 - Mesmo que a Associação concorde com o preço e o receba efectivamente do Estado, a Colecção passa a ser de quem? Do Estado? Não, não, meninos... Passa a ser propriedade da Fundação Colecção Berardo, que é, em larga medida, dominada pelo coleccionador. E esta?
4 - De 2007 a 2015 a Fundação disporá de um fundo para aquisições de obras de arte, para o qual o Estado contribuirá com € 500.000,00 anuais, para além da dotação inicial a cargo do Estado de 500.000,00. Ou seja, o Min. da Cultura afectará a este projecto 1 milhão de contos. Sem contar, claro, com um subsidiozinho anual, a pagar em duas suaves prestações. E, já me ia esquecendo, não contando com "subvenções especiais" do Estado Português.
5 - Havendo a dissolução da Fundação a Associação Colecção Berardo reassume a posse plena e a gestão da Colecção de que é proprietária, a não ser que o Estado, entretanto tenha exercido o impropriamente designado "direito de opção". Ou seja, ficará a Colecção com o seu proprietário a não ser que este a tenha vendido, pelo preço que entender na altura aceitar, a dita Colecção ao Estado. E neste caso, o Estado fica com a obrigação de a integrar em projecto museológico, preservando a memória da Colecção Berardo.
6 - Ainda em caso de dissolução da Fundação, qual o destino a dar às obras de arte adquiridas com o fundo de aquisições (aproximadamente 1 milhão de euros anuais, suportados em partes iguais pelo Estado e pelo coleccionador) ? Essas obras reverterão a favor do Estado (oh! que generosidade!) ... a não ser que o coleccionador se decida por adquiri-las... pelo respectivo preço de aquisição (sem atender às eventuais valorizações ... ou sequer à inflação) ... e deduzindo nesse preço a parte constituída pela sua própria participação. Assim é que é... financiamento do Estado a custo zero não é para todos... é para quem pode.

Enfim, lê-se no preâmbulo do Decreto-Lei:
"trata-se de uma parceria público-privada que alia a vontade do Estado na criação de um museu de arte moderna e contemporânea com o espírito empreendedor do coleccionador".

Podes crer!
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