segunda-feira, setembro 15, 2008

O esterco e os Homens


O Sr. António Ramalho Eanes, de quando em vez, tem atitudes impressivas. Agora, ao que parece, terá renunciado a 1 milhão de euros, ao ter prescindido dos retroactivos a que tinha direito, relativos à sua pensão de reforma. Há tempos, recusou igualmente o bastão do marechalato. São atitudes que evidenciam o desprendimento com que pauta a sua vida.

Contudo, julgo que erram os que procuram retirar da sua dimensão íntima estes despojados comportamentos. Erram os que vêem nestas ascéticas condutas, bitolas sociais. Erram os que torcem, desconfiados, o nariz a quem não se entrega a monacais formas de vida.

Considero extremamente perigosa esta ideia: a de que temos, para sermos rectos, de renunciar aos nossos direitos. Como se eu devesse sentir-me cidadão mais inteiro se recusasse o reembolso do IRS.

Não pretendo ver outro alcance nas atitudes do Sr. Ramalho Eanes para além do que casa com o perfil austero que sempre transmitiu. Mas louvar, extrapolando, essas atitudes só diminui quem as toma. Ao ter recusado o bastão de marechal, pôs o Sr. Ramalho Eanes em causa, e de certo sem o querer, Costa Gomes e António de Spínola, que o aceitaram, no escrupuloso cumprimento da lei. De uma lei geral e abstracta. "No meio do esterco, um Homem". Há um homem que recusou o direito que tinha e é louvado. Há dois que, por não terem feito o mesmo, não conseguiram por isso emergir da sentina. Nada mais injusto. Para uns e para outros.

Cabe ao legislador ser módico e parcimonioso. Não é um dever ético renunciar a direitos que o legislador, geral e abstractamente, concede.

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