sexta-feira, agosto 22, 2008

Harmonização fiscal na UE: Falsas questões e falaciosos argumentos

Rapto da Europa (58)

A propósito da intenção da Comissão Europeia de impor os mesmos impostos às empresas europeias, na senda da prática igualitarista e castradora das realidades nacionais que caracteriza as instituições da UE, parece-me importante esclarecer que se trata apenas de um objectivo político que, de um modo falso e enganador para o observador menos atento, aparenta fundamentar-se em argumentos económicos.

A harmonização fiscal assenta em três pressupostos que são errados e retiram qualquer suporte, em termos económicos, à necessidade de harmonização do IRC na União Europeia (UE).

Primeiro, é falso que a eliminação de distorções ao nível da cobrança de impostos sobre os lucros requeira a existência de taxas de imposto iguais em todos os países. A existência de economias de aglomeração e de rendimentos crescentes à escala obriga a que, por razões de eficiência de funcionamento dos mercados, os países com maior acumulação de capital (o chamado centro da UE) tenham taxas de IRC mais altas do que os países mais pobres e da periferia ou, caso contrário, estes perdem a vantagem que detinham em termos de custos fiscais. Logo, quer sob o ponto de vista da eficiência quer também da equidade, a harmonização das taxas de imposto na UE é indesejável.

Segundo, é falso que a harmonização do IRC contribua para uma redução significativa das distorções existentes no funcionamento do mercado único. Os estudos já realizados indicam que os ganhos com a harmonização do imposto sobre os lucros das empresas na UE são irrisórios (inferiores a 0,2% do PNB da UE e sem considerar os custos com a "fuga" de receita fiscal - ver em baixo). Por outras palavras, as distorções provocadas pelas diferentes legislações fiscais e taxas de imposto são muito pouco importantes.

Terceiro, toda a lógica de harmonização assenta em parte no pressuposto de que as empresas decidem investir num país da UE por razões fiscais. Ora este pressuposto é falso. As empresas investem num determinado país por múltiplas e variadas razões (mão de obra, transportes, comunicações, I&D, "clusters", etc.) sendo a variável fiscal apenas mais uma a considerar e que é relevante não para a abertura de uma fábrica mas para a decisão das grandes multinacionais acerca da jurisdição onde vão colocar os lucros no final de cada exercício fiscal - através da transferência de receitas via preços internos à multinacional e a transferência de custos.

Acontece, no entanto, que também é falso que a harmonização fiscal venha por fim ao chamado problema de evasão fiscal. Os preços de transferência são irrelevantes ao nível das pequenas e médias empresas (PME's). O problema é relevante apenas ao nível das multinacionais mas estas têm meios para colocar os lucros fora da UE. Logo, a harmonização fiscal poderá representar, na prática, a transferência de receita fiscal dos países da UE para o exterior. Estes custos são ignorados pela Comissão Europeia quando aborda a questão.

A única vantagem da harmonização fiscal é a redução dos custos administrativos para as grandes multinacionais se estas adoptarem um imposto único em toda a UE, como a Comissão Europeia pretende. Mas são precisamente as multinacionais que têm meios financeiros e humanos para arcar com estes custos. As PME's não têm e em nada beneficiam com a harmonização fiscal.

Em suma, não é por razões de distorção da concorrência ou de funcionamento do mercado único que se justifica a harmonização fiscal. Haverá com certeza outras razões, mas essas são de índole puramente política. A utilização de pretensos argumentos económicos relacionados com a concorrência e o funcionamento do Mercado Único não é mais do que uma manifestação de hipocrisia por parte dos responsáveis europeus.

Etiquetas:

BlogBlogs.Com.Br