Did you say no?
O "no" irlandês, mais do que surpreendente, é a confirmação do que se adivinhava. Não sei porquê, não me sinto invadido pelo sentimento de regozijo que anima amigos meus. Antes pelo contrário. Sei, isso sei, que o "no" irlandês nada teve que ver com o Tratado de Lisboa. Os irlandeses responderam a uma pergunta que lhes não foi posta. E responderam com o desassombro que inflama os néscios. Das turbas não esperes nada, alguém disse. Nada mesmo, talvez. Mas como me posso regozijar com o espectáculo da decadência, no mesmo passo, da construção europeia e da própria democracia? Não posso. Não devo. Os néscios irlandeses não são diferentes dos outros néscios que adormecem à sombra da Europa. Votam, quando interessa, quando lhes dói, nos partidos que sustentam o projecto europeu. Mas quando não interessa, quando não lhes dói, citam o touro que vêem na patalha, encontram em si mesmos a coragem que não sabiam ter e que se manifesta, como que miraculosamente, diante de feras muito pouco tridimensionais. Néscios, repito.
Pouco importa. O certo é que fica por saber a razão por que não fazem aos néscios a pergunta a que eles querem responder. Fica por saber também a razão por que insistem em fazer, aos néscios, pergunta alguma. Pilatos, quando não quis decidir, decidiu auscultar a turba multa. E a turba, agradecida, quis a morte de Jesus. Pilatos, confortado pelo seu democratismo avant la lettre, lavou as mãos. Lavem os políticos as deles também. Devem estar igualmente sujas.
"É triste no outono concluir
que era o verão a única estação"
Ruy Belo
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