terça-feira, maio 13, 2008

Mais uma "espadeirada" no Maio de 68

Ainda o Maio de 68

por João Carlos Espada
in Expresso, 10/5/2008

A crítica que aqui publiquei na semana passada ao arcaísmo do Maio de 68 valeu-me uma enxurrada de «mails», dominantemente discordantes, que acabaram por fechar a minha caixa de correio. Agradeço aos críticos e peço desculpa aos que eventualmente não tenha conseguido responder. Mas mantenho o meu ponto de vista: uma crítica ao espírito revolucionário de 68, não em nome da estagnação ou do passado, mas em nome da superioridade da mudança gradual, local e descentralizada, numa palavra, não-autoritária. E mantenho a minha acusação de autoritarismo dirigida ao Maio de 68.

Julgo que vale a pena observar a ligação entre esta preferência pela evolução descentralizada e a crítica à ideia de revolução. A revolução supõe uma certa crença na possibilidade de mudar centralmente as coisas para melhor. Mas a preferência pelos arranjos locais, em regime de liberdade, contém um grande cepticismo relativamente a planos centrais, logo, por maioria de razão, a mudanças revolucionariamente dirigidas.

Não existe aqui nenhuma animosidade intrínseca relativamente à mudança, mas apenas à mudança centralmente, ou externamente, desenhada. Nos arranjos locais existe um permanente diálogo entre tradição e mudança, não existe apenas tradição. Só que esse diálogo é ditado pelas conveniências internas de quem vive e conhece as circunstâncias locais - não é ditado por planificadores externos ou por visões abstractas acerca de um futuro radioso.

Um conhecido ditado inglês - «an Englishman’s home is his castle - exprime muito bem esta ideia de mudança gradual e descentralizada. Se a casa de um inglês é o seu castelo, isso quer dizer basicamente que ninguém deve intrometer-se na sua casa. Mas não está dito que essa casa permanecerá igual para todo o sempre. O que está dito é que cada um saberá encontrar as mudanças necessárias para tornar a sua casa mais conveniente, mais confortável; e que não aceitará que essas mudanças sejam centralmente ou externamente dirigidas por visionários vanguardistas, ou, já agora, por arquitectos autoritários.

O Maio de 68 julgou exprimir uma disposição profundamente progressista e favorável à liberdade. Mas, ao preconizar mudanças globais revolucionárias, em vez da redução da uniformização centralmente desenhada, acabou por alimentar os defeitos autoritários que disse combater. Um ponto pode todavia ser acrescentado a seu favor: o Maio de 68 permitiu a vários dos seus protagonistas confrontarem-se com este paradoxo e, por causa disso, permitiu-lhes libertarem-se da ilusão revolucionária. Lamento ter de dizer, no entanto, que não há nada de muito inovador nessa descoberta.
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