quinta-feira, maio 29, 2008

Esperança na esquerda

Esta semana o "Público" publicou um elogio de Durão Barroso a João Carlos Espada (JCE). È engraçado o percurso que JCE realizou. De maoista foi avançando para a direita e, em simultâneo, aproximou-se do Cristianismo. Sendo uma pessoa inteligente e tendo ultrapassado os devaneios de juventude que a própria idade por vezes ajuda a explicar, JCE deixou-se iluminar no caminho que percorreu. E houve outros que fizeram um trajecto similar em direcção á direita, como o próprio Barroso ou Pacheco Pereira. A esquerda ficou entregue a iconoclastas e conservadores no mau sentido. Será que para estes também há esperança?


João Carlos Espada,
in Expresso de 24/5/2008

Muitos princípios essenciais da democracia liberal assentam na doutrina cristã. E muitas pessoas ficarão surpreendidas com isso. Mas é verdade. E vale a pena conversar mais sobre essa surpresa
Dom José Policarpo, cardeal-patriarca de Lisboa, presidiu no domingo passado a uma mesa-redonda sobre a doutrina social da Igreja. Um dos muitos aspectos interessantes do debate consistiu em revelar como muitos princípios essenciais da democracia liberal assentam na doutrina cristã.
Para o Cristianismo, o homem é criatura, não é criador. Isso desde logo implica que ele faz parte de uma ordem mais vasta que o transcende. Essa ordem pode ser gradual e tentativamente descoberta pela razão, assistida pelo diálogo com a fé. Desse processo faz parte a descoberta dos valores morais, designadamente dos deveres e direitos morais. Estes não são produto da vontade, nem são arbitrários ou equivalentes. São descobertos, não inventados.
A criatura que o homem é foi criada à imagem e semelhança de Deus - um Deus que ama a sua criação. Por isso, o homem é dotado de uma dignidade moral irredutível que une toda a família humana. Essa dignidade funda os Direitos do Homem, no centro dos quais estão o direito à vida e à liberdade, antes de mais a liberdade da consciência e da fé. Estes direitos são prévios aos governos e a função dos governos é respeitá-los e protegê-los.
O facto de o homem ser criatura e não criador gera uma outra dimensão importante. O cristão é um cidadão de duas cidades: a cidade dos homens e a cidade de Deus. Este dualismo fundamental tem, por sua vez, várias consequências políticas.
Em primeiro lugar, o cristianismo não pode subscrever qualquer utopia política, secularista ou teocrática. A redenção do homem através da política é impossível. A cidade de Deus não pode ser construída neste mundo. As promessas políticas utópicas são, na sua raiz, propostas ateias e totalitárias que querem fazer do homem criador e não criatura.
Mas o cristão tem o dever de dar testemunho da Cidade de Deus na cidade dos homens.
Por isso, a principal reclamação política do Cristianismo é a liberdade religiosa e, em particular, a liberdade da Igreja. Isso implica separação da Igreja e do Estado, ou o princípio do Governo limitado.
Esta limitação da esfera política exprime um entendimento pluralista da vida em sociedade. No centro da mensagem cristã está a reclamação pluralista de que as pessoas, as famílias e outras instituições espontâneas intermédias possam usufruir livremente os seus modos de vida pacíficos - os quais não podem ser arbitrariamente redesenhados pelo poder político.
Muitas pessoas que subscrevem estes princípios ficarão talvez surpreendidas por vê-los justificados pelo Cristianismo. É um sinal de que vale a pena conversar mais sobre o tema.

2 Comments:

Blogger L. Rodrigues said...

É um fenómeno que me fascina, esta dos maoistas que se convertem às direitas.
Diria que são personalidades autoritárias com obsessão pelo controlo. A passagem da esquerda para a direita tem apenas que ver com isso: a manutenção do controlo. O discurso de esquerda radical parecia ter o controlo no pos-revolução, e hoje é o de direita radical que domina.
Felizmente a maior parte de nós ainda somos pessoas normais e equilibradas. Resta saber por quanto tempo.

5/29/2008 6:10 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

"No centro da mensagem cristã está a reclamação pluralista de que as pessoas, as famílias e outras instituições espontâneas intermédias possam usufruir livremente os seus modos de vida pacíficos - os quais não podem ser arbitrariamente redesenhados pelo poder político": autoritarismo? vontade de controlar?

5/29/2008 9:30 da tarde  

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