segunda-feira, março 24, 2008

Religião e praça pública

Como desde há muito vem sendo denunciado ...


In Expresso, 21 de Março de 2008
João Carlos Espada


Creio que a tentativa de exclusão da religião da praça pública exprime um impulso autoritário e antiliberal. Boa Páscoa


Na passada terça-feira, tive o grato prazer de rever o meu amigo Vicente Jorge Silva - que, em 1981, primeiro me convidou a escrever no Expresso. O reencontro deveu-se a Teresa de Sousa e ao seu agradável programa televisivo ‘Clube de Imprensa’, na RTP 2, para o qual convidou também o padre Peter Stilwell.

O tema foi ‘valores, religião e democracia’ e terá sido suscitado pelas recentes declarações do Presidente Sarkosy acerca do papel positivo que os valores cristãos podem ter para a democracia. Parece que o assunto provocou grande polémica em França, o que não foi o caso no nosso debate. Em boa verdade, penso que a controvérsia francesa exprime o arcaísmo da cultura política gaulesa.

Que Estado e religião devem ser separados é um princípio adquirido pelas democracias liberais (ainda que em Inglaterra e na Escandinávia a liberdade religiosa tenha convivido com uma igreja estabelecida) . Mas a França tem uma interpretação peculiar dessa separação: acha que ela implica a hostilidade do Estado para com as religiões. E, em França, essa hostilidade é entendida como um princípio liberal.

Vejo com dificuldade como poderia ser liberal a hostilidade do Estado para com a religião. Se a religião for livremente escolhida pelas pessoas, e não coercivamente imposta pelo Estado, por que razão seria liberal hostilizar a religião? Por que razão deveriam ser colocados obstáculos à livre expressão religiosa na praça pública?

Suponho que haverá duas razões, nenhuma delas particularmente recomendável. A primeira consiste em confundir praça pública com Estado. Mas a praça pública não é o Estado: é um espaço informal, não centralmente organizado, de conversação interpessoal onde as pessoas e instituições cruzam argumentos rivais. Querer limitar a presença da religião na praça pública implica querer limitar a liberdade de expressão e a liberdade de consciência.

Outra hipótese consiste em atribuir à democracia e à liberdade um propósito substantivo: a modernização, ou a secularização, ou a libertação das pessoas do jugo do mito, ou da tradição, ou da religião. Não vejo nada de mal em que essa interpretação possa existir, exprimir-se e concorrer com outras. Mas já tenho sérios obstáculos a que queira adquirir estatuto constitucional. Isso equivaleria a capturar a Constituição para um ponto de vista particular - em vez de ela consagrar as regras do jogo que permitem a convivência pacífica entre diferentes pontos de vista particulares.

Em suma, creio que a tentativa de exclusão da religião da praça pública exprime um impulso autoritário e antiliberal. Boa Páscoa.

6 Comments:

Blogger R said...

«Que Estado e religião devem ser separados é um princípio adquirido pelas democracias liberais (ainda que em Inglaterra e na Escandinávia a liberdade religiosa tenha convivido com uma igreja estabelecida..»

A igreja na Inglaterra pertencia ao Estado.

Cá, tivemos o Évora-Monte que não serviu de nada, depois o Afonso Costa com a "Lei da separação do Estado e da Igreja" que também não serviu de nada, porque acima de tudo o Estado quis meter-se na vida da Igreja e não simplesmente separá-la. E depois, a concordata pelo Oliveirinha que proibiu outra vez o divórcio civil.
Lá por o Soares ter revisto a concordata e os divórcios serem legais (pelo civil), o salgado zenha andou lá sempre metido com essa seita.
Nunca nos separámos da Igreja, os partidos miam baixo, quando muito não andam lá na Opus Dei.

Diga-se ainda mais os PS´istas, que andam a cheirar pilinhas por Belém. E ninguém "encurta" a cena...



Vergonhoso este centralismo apostólico. Só me vem uma coisa à cabeça... os Portugueses são mais reaccionários que os "dirigentes".
Qual constiticionalismo... uma ova!

3/24/2008 12:21 da tarde  
Blogger R said...

*quando muito (os partidos e seus Condes) andam lá na Opus Dei.

3/24/2008 12:23 da tarde  
Blogger Ricardo Pinheiro Alves said...

Não se enerve, caro vicissitudes, que a vida é longa

3/24/2008 2:16 da tarde  
Blogger R said...

Muitóbrigado ´migo ricardo.
Mas tenho acessos de fúria e a minha pressão arterial sobe em flecha.. tenho de beber um cheirinho.

3/24/2008 3:01 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

O vicissitudes está muito enganado: o badalhoco do Mário Soares não teve nada a ver com a transição da separação de pessoas e bens em divórcio, que foi legalizada, antes desse sacana dar à costa, no Governo de Marcelo Caetano, salvo erro em 1973, mas seguramente antes da merda da abrilada.
Tenho alí o papelinho...

hehehehehe

.
(Com pontinho.)
.

3/25/2008 6:27 da manhã  
Blogger R said...

Queira o ´migo pontinho aceitar as minhas sinceras malidicências (????), mas estou mesmo em crer que foi depois do 25 de Abril, que o migo Soares ratificou a concordata (assinada pelo prendado Zé Oliveira).

Estarei em erro?
Estarei grávido?

Aiii que confusão.... aiii.... tinha prometido a mim mesmo que não chorava... aiiii

3/25/2008 9:49 da manhã  

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