quarta-feira, março 05, 2008

O Mistério da Entrada de Sintra




Intróito à guisa de prefação

Fosse este um livro e o prezado leitor já se teria deparado com o seu frontispício, passadas que estariam a capa, as guardas e o anterrosto.
Aqui chegado, confrontar-se-ia com o título da obra que, doravante e com a (ir)regularidade que nos caracteriza, aqui deporemos para seu escrutínio.
Este humilde opúsculo, esta espúria tentativa, este mísero subsídio, procurará, não obstante a estrita consciência da sua debilidade narrativa e estilística, empreender uma tarefa que reputamos das mais altas da humanidade: contar uma história.
O acto de contar constitui, desde os tempos mais telúricos e testiculares (como diria Miguel Torga), o instante mágico que permite sobrepor passado, presente e futuro, a centelha que ilumina o percurso percorrido, o santo-e-senha que possibilita a traditio do conhecimento. Sem ela, recapitularíamos em cada geração as experiências elementares das eras primevas e, de cada vez, recomeçaríamos da tabula rasa a que semelhante amnésia funcional nos agrilhoaria.
Felizmente que a natureza humana se faz da memória e com a memória e que o infrene progresso que hoje experimentamos assenta aos ombros de tudo o que nos antecedeu e nos foi transmitido. Só assim se compreende este nosso trabalho, enraizado na mais lídima tradição literária lusa. Não se culpe, porém, a raiz por semelhante fruto. O seu conteúdo mais ou menos palatável é de nossa inteira responsabilidade.
Não faremos segredo da nossa hesitação quanto à forma de contar esta história. Vacilámos entre a sua publicação integral e imediata ou a sua administração em dosagem homeopática para não enfastiar em demasia quem fará o favor de nos ler. Optámos pela degustação gota-a-gota ao sorvo de um só trago. Julgamo-la mais elegante, substancialmente mais higiénica e muito menos susceptível de ocasionar ruídos tão desagradáveis quanto imprevistos.
Não enjeitamos o uso da liberdade criativa em algumas passagens mas alertamos para o seu carácter semi-biográfico e para a importância do período histórico tratado, essencial para a boa compreensão dos comos e dos porquês do Portugal hodierno.
Um bem-haja muito sentido a todos aqueles que, por razões de segurança, nos vemos impedidos de nomear mas que contribuíram com o seu testemunho para tornar mais palpável e compreensível um enredo que, até a quem o conhece de fio a pavio, parece, no mínimo, bizarro. A realidade não se cansa de nos demonstrar supervenientemente a sua infinita capacidade para reputar de banal a ficção que anteriormente nos fora servida como irreal e excêntrica.
O presente prólogo não ficaria completo sem a invocação daqueles que tornaram fazível este trabalho insano a que nos dispusémos há já 10 meses: a Francisca, cujo empenho na recolha de material tornou pronta a sua compilação; a D. Alice, inestimável na revisão do texto; e o Sr. Palhais, cujas meias de leite e tostas de queijo concorreram para que nos mantivéssemos vivos durante as difíceis horas de produção mais fremente.
Sem mais detenças, acorramos ao que nos espera! Embrenhemo-nos nas suas sombras e vicissitudes que o caminho é longo e nem sempre evidente para quem o pretender trilhar.

Isílio Verdasca
BlogBlogs.Com.Br