Domínios do marketing e da publicidade
No fim-de-semana que passou coube-me a ingrata tarefa de comprar um frigorifico. Detesto fazer compras, com a pontual excepção de livros, e abomino centros comerciais e grandes superfícies onde o ar pouco saudável nos faz sentir tontos. Mas restam poucas alternativas e torna-se inevitável a frequência de tão nefandos locais. Lá fui, contrariado, na esperança de resolver rapidamente o problema de um frigorífico avariado e sem conserto. O meu comportamento não iria ser certamente o do consumidor racional, presente nos modelos económicos, que toma as decisões visando a maximização da sua utilidade. Ou melhor, ao contrário do que é habitualmente assumido, a maximização da minha utilidade, pelo menos naquele dia, passava essencialmente por não ter de me deslocar para efectuar tal compra. A partir do momento em que tinha de ser eu a realizá-la a utilidade estava irremediavelmente perdida.
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Passado algum tempo após ter chegado ao hipermercado dou comigo a comparar capacidades de congelação, áreas úteis, eficiências energéticas e outros indicadores desse maravilhoso mundo que é o dos electrodomésticos. Finalmente cheguei à questão do preço e reparo que poderia optar entre despender 300 euros de imediato ou comprar em 10 “suaves” prestações de 35 euros. È o custo do dinheiro, pensei. Mas ao lado dizia claramente que a compra a crédito era sem juros. Fiquei atónito. A loja não cobrava juros, nunca legalmente o poderia fazer, mas cobrava mais 50 euros pelo período alongado de pagamento. Ora porque é que o pagamento mais tardio significa desembolsar mais? Por causa do custo de oportunidade de não deter o dinheiro. É qual é esse custo? A taxa de juro. O hipermercado conseguia assim o extraordinário feito de cobrar juros sem legalmente o fazer.
Lembrei-me de imediato de um anúncio de um Banco que agora se ouve muito na rádio. Alguém arranjou um novo emprego e ao segundo dia de trabalho foi aumentado. Qual a razão de tão extraordinário evento? Ter domiciliado o seu salário no dito Banco e assim ter passado a ter acesso a uma linha de crédito superior em 10% ao seu salário. Mas isso não é nenhum aumento, diria eu. “Pois não”, responderia o Banco ou o publicitário que idealizou o anúncio, “mas o que é que isso interessa?”.
Será isto a realidade virtual de que tanto se fala? Ou será isto que explica porque é que o actual Governo se preocupa em primeiro lugar com a gestão da sua imagem? Não com os factos da governação, mas sim com os efeitos mediáticos da mesma?
Percebe-se assim porque é que as leis que regem a publicidade em Portugal não são levadas a sério. Porque é que as televisões ultrapassam desavergonhadamente os limites de tempo para passarem publicidade. Porque é que os nossos filhos são constantemente, e sem qualquer restrição, “assaltados” com “tentações” com a cara dos “Noddys” que povoam as suas imaginações. Tudo isto acontece sem qualquer reacção do Governo porque este é precisamente o seu comportamento perante os portugueses. Mudar e fazer cumprir as leis do marketing e da publicidade, de uma forma moralmente digna e aceitável, significaria limitar as inúmeras formas de propaganda de que o Governo dispõe. E isso é que não é aceitável.
Também publicado em http://www.demoliberal.com.pt/noticias.php?noticia=6616
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Passado algum tempo após ter chegado ao hipermercado dou comigo a comparar capacidades de congelação, áreas úteis, eficiências energéticas e outros indicadores desse maravilhoso mundo que é o dos electrodomésticos. Finalmente cheguei à questão do preço e reparo que poderia optar entre despender 300 euros de imediato ou comprar em 10 “suaves” prestações de 35 euros. È o custo do dinheiro, pensei. Mas ao lado dizia claramente que a compra a crédito era sem juros. Fiquei atónito. A loja não cobrava juros, nunca legalmente o poderia fazer, mas cobrava mais 50 euros pelo período alongado de pagamento. Ora porque é que o pagamento mais tardio significa desembolsar mais? Por causa do custo de oportunidade de não deter o dinheiro. É qual é esse custo? A taxa de juro. O hipermercado conseguia assim o extraordinário feito de cobrar juros sem legalmente o fazer.
Lembrei-me de imediato de um anúncio de um Banco que agora se ouve muito na rádio. Alguém arranjou um novo emprego e ao segundo dia de trabalho foi aumentado. Qual a razão de tão extraordinário evento? Ter domiciliado o seu salário no dito Banco e assim ter passado a ter acesso a uma linha de crédito superior em 10% ao seu salário. Mas isso não é nenhum aumento, diria eu. “Pois não”, responderia o Banco ou o publicitário que idealizou o anúncio, “mas o que é que isso interessa?”.
Será isto a realidade virtual de que tanto se fala? Ou será isto que explica porque é que o actual Governo se preocupa em primeiro lugar com a gestão da sua imagem? Não com os factos da governação, mas sim com os efeitos mediáticos da mesma?
Percebe-se assim porque é que as leis que regem a publicidade em Portugal não são levadas a sério. Porque é que as televisões ultrapassam desavergonhadamente os limites de tempo para passarem publicidade. Porque é que os nossos filhos são constantemente, e sem qualquer restrição, “assaltados” com “tentações” com a cara dos “Noddys” que povoam as suas imaginações. Tudo isto acontece sem qualquer reacção do Governo porque este é precisamente o seu comportamento perante os portugueses. Mudar e fazer cumprir as leis do marketing e da publicidade, de uma forma moralmente digna e aceitável, significaria limitar as inúmeras formas de propaganda de que o Governo dispõe. E isso é que não é aceitável.
Também publicado em http://www.demoliberal.com.pt/noticias.php?noticia=6616
4 Comments:
Uff! E eu a julgar que tu eras liberal... Afinal acreditas na regulação do capitalismo selvagem pelo Estado... Junta-te ao clube!
Repara que acrescentas o adjectivo "selvagem" ao capitalismo. O capitalismo só é selvagem quando os seus interpretes assim o fazem. Não é por definição. Claro que a propaganda socialista que há anos nos oprime já fez com que a palavra "selvagem" aparecesse automáticamente associada a capitalismo. Mas o "pai" do tal capitalismo, de seu nome Adam Smith, sempre defendeu o papel do Estado.
Mas concordo inteiramente contigo... e já devias saber que eu sou inteiramente a favor do capitalismo, leia-se, economia de mercado, desde que com regulação eficaz.
Já tenho mais dificuldade em não ver uma associação directa entre liberalismo e capitalismo selvagem. Os liberais aqui do torrão, tanto quanto leio nas entrelinhas das suas declarações de intenções, dirão que não são a favor do capitalismo selvagem, mas nunca dirão que são contra.
Depois, claro, há a súcia no poder, que mostra por actos ser ultra-liberal, no pior sentido da expressão.
Já viram o novo Ariston de 300 l?
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