Alhos e bogalhos - IV e último
Por fim, agarra-se Rui Tavares a mais uma ironia. Como é possível que a Igreja acuse quem quer que seja ou o que quer que seja de censório quando vive, ela própria, mergulhada na censura? Como pode o Papa (ou a Igreja) defender a liberdade de expressão quando impõe o Index aos seus fiéis? Sobre o Index já o Gabriel, aqui, disse tudo. Apesar da imprecisão da referência, sobra o essencial. É sistemática a confusão entre aquilo que são regras gerais, impostas urbi et orbe e o que são normas de comportamento exclusivas de um grupo. Uma coisa é impedir, para além dos limites da legalidade, que qualquer pessoa diga o que quiser; outra, bem diferente, é aceitar que um grupo, num exercício que os modernos chamam "auto-regulação", se imponha a si próprio baias ditadas por um comum sentimento de pertença. Isto na Igreja como em todos os outros grupos de adesão voluntária. Aquilo que muitas vezes se chama "delito de opinião", nos partidos políticos por exemplo, e que tantas carpideiras de circunstância convoca, mais não é do que verdadeira infracção disciplinar. Não poderão as pessoas pensar de forma diferente dos programas dos partidos? Claro que sim. Admitir o contrário seria sacralizar a censura. Mas não se pode estranhar a conclusão de que quem pensa de forma substancialmente diferente do programa do partido em que milita não pode continuar a considerar esse partido como seu. Mais ainda, os outros partidários devem ter o direito de mostrar que quem pensa daquela maneira não pode arrogar-se como pertencendo ao partido.
Que a Igreja impõe aos seus fiéis exigências várias é evidente. Que essa evidência possa sustentar a afirmação de que há uma castradora censura a abater-se sobre os católicos é que não se pode aceitar. Tanto quanto me é dado ver, ninguém é obrigado a ser católico e a seguir os preceitos da Igreja. Portanto, talvez não fosse menos avisado deixarem os católicos em paz com as regras que eles próprios não rejeitam. Isso, Rui Tavares, é que é liberdade de expressão.
8 Comments:
Com o meu mais sincero pedido de desculpas, meu caro Nuno, isso é um perfeito disparate.
Andei suspenso da conclusão dessa sequência de argumentações para ver onde isso iria dar.
Para minha grande desilusão, no fim, vens tratar a Igreja como se se tratasse do clube de futebol do bairro ou de uma associação recreativa à qual se pertence ou não se pertence consoante se queira. Isso entra em contradição flagrante com os ensinamentos da Igreja que diz que a salvação tem de passar por ela, que a igreja é a comunhão de todos os Cristãos.
Agora o Nuno quer dizer-nos que, para efeitos de auto-censura e de auto-limitação, a Igreja já é uma instituição de adesão voluntária?
Aí reside grande parte das incongruências da Igreja Católica: quer-se assumir como Mãe dos Católicos, como Esposa de Deus, como o legado de Cristo na Terra. Mas, quando lhe dá jeito, quer ter as prerrogativas de instituição terrena, com os mesmos vícios de tudo o que é humano e com o mesmo "My way or the highway" que caracteriza, por exemplo, partidos políticos.
Se fôssemos a aceitar essa disciplina institucional que a Igreja quer impôr "dentro de portas", com o Index e outras figuras deploráveis, ainda estávamos a defender que a Terra está no centro do Universo, que o Darwin era um herege e que os judeus deveriam ser queimados na fogueira. Felizmente que há quem, dentro da Igreja, não leve a sério os ditames e a tente mudar por dentro.
Meu caro, não tens de pedir desculpa. E este será apenas mais uma estupidez a somar a outras que já tenho assinado. Mas deixa-me dizer-te que, ainda assim, não concordo com um milímetro do que escreves.
É evidente que a Igreja não é um clube recreativo. E não foi isso que pretendi dizer. O que quis sublinhar é que a Igreja tem regras e não podia deixar de ser. A Igreja é (a) via de salvação. Será. A salvação é uma vocação universal. Sem dúvida. Mas nem todos se salvarão. Espero que isso seja claro. Nem mesmo todos os que vão todos os dias à Missa. Acho é estranho que os não-católicos sejam os mais ferverosos defensores do oprimido povo católico. A existência de regras na Igreja não faz de nós, católicos, oprimidos; nem da hierarquia, opressores. Por que razão os não católicos se preocupam tanto com os nossos preceitos? Incluindo os teus coleguinhas de Bloco... Porquê?
Se calhar, pelos mesmos motivos que os teus amiguinhos de direita acharam por bem legislar a forma como se podia ou não votar no interior do PCP, apesar de não estarem interessados em integrá-lo.
Mas como eu não posso falar pelos amigos, deixo ao BE uma resposta mais cabal e definitiva.
Agora, o que é facto, para mim, é que a Igreja se reclama da legitimidade dos seus 800 milhões de membros quando lhe interessa reclamar um lugar ao Sol entre os poderosos da Terra mas depois não quer saber o que pensa mais de metade desses 800 milhões quando decide que livros podem ler, que métodos anticoncepcionais podem usar ou que opiniões políticas podem manter.
E aí não falo em nome dos meus amiguinhos, falo em meu nome.
José Luís Malaquias,
acredito que toda a pessoa humana tem dentro de si a vocação para a imortalidade. Um pouco de estudo sobre as religiões antigas revela que já existiam nelas várias índicios do projecto que Deus haveria de realizar em Jesus. Existem escritos pagãos que descrevem um nascimento de um deus numa virgem. Isto, para dizer que a Revelação tende para a universalidade. Todos nós somos tocados pelo imortal, mas nem todos se sentem tocados por este. Sou cristão, por chamamento, mas também sou pelo meu sim sincero. Deus nada pode contra a minha liberdade.
José Luís,
Não foi a direita que impôs o voto secreto no PCP, foi a opressão socialista, leia-se PS e PSD.
Meu caro ZL,
Sempre fui de opinião que o PCP deve poder votar como quiserem os seus militantes. Já escrevi isso, inclusivamente. É assunto que não me diz respeito.
Quanto à Igreja Católica, tens de saber distinguir o que é essencial do que é acidental. No essencial não pode haver divergências. Quem não aceita, não aceita. Ponto. Era o que faltava que por exemplo a divindade de Jesus, a Santissima Trindade, ou a Imaculada Conceição fossem sujeitas a referendo.
Que eu saiba, nunca ninguém, por mais jacobino e anticlerical, sugeriu que se levasse a divindade de Jesus, a Santíssima Trindade ou a Imaculada Conceição a referendo.
Mas temos aí um novo exemplo de como a igreja muda o campo da discussão para baralhar os argumentos.
Estávamos a falar de coisas como o Index, os métodos anticoncepcionais ou as opções políticas. Mas, numa cambalhota argumentativa, já se está a dizer que queremos pôr em causa os dogmas da igreja.
Santo Agostinho escreveu:
«Possuímos uma vontade ... Disto se segue que quem deseje viver bem e com honra consegue fazê-lo.». È o livre arbítrio que Deus nos deu e que nós entusiasticamente seguimos. O que não quer dizer que não possamos ser censurados pelos nossos actos e palavras.
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