Rio das Flores - notas a uma crítica
Não sou dos que entendem que textos sem uma certa antiguidade não merecem ser lidos. E só li agora a crítica de VPV ao novo livro do MST. Como outros já confessaram, também a li ... e não gostei. A brutalidade de MST não chegou para que VPV se calasse. Pena que não tenha havido mais qualquer coisa que pudesse ter contribuído para esse propósito: o silêncio do crítico, já que se mostra incapaz de moderação.
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Proponho-me articular algumas das impressões que me causaram a crítica:
1º - Tal como sucede com VPV, também a mim me incomodam "versões falsas" ou "propagandísticas" na ficção dita histórica. Mas percebo que possam ser, em certa medida, "simplificadoras". É tacanho pôr a falsidade e a propaganda ao mesmo nível da simplificação. Sobretudo quando é sabido não estarmos perante um ensaio universitário.
2º "Através da família dos Ribera Flores, o Rio das Flores pretende ser uma meditação política sobre a primeira metade do século XX". Aqui, mais relevante do que o (eventual) propósito do autor, é a confissão do crítico: se o livro não pretende ser meditação política, talvez pudesse não ter sido escrito. É uma opinião. Outras haverá.
3º As opiniões de Manuel Custódio: VPV, a este propósito, zurze o autor do livro pelas opiniões de uma das personagens (mas não todas, claro, só "aquelas que revelam os conhecimentos dele" ou "o grau de consciência da situação em que vive"). Ou seja, para VPV, numa ficção dita histórica, as personagens não podem ser ignorantes nem ter, da situação em que vivem, leitura que não seja aquela que deve ter um historiador 75 anos depois dos factos. É esquisito que se possa pensar assim.
- Não podia o Manuel Custódio achar que o dr. António José de Almeida era um demagogo e um vendedor de feira e que se gastava na República muito mais dinheiro do que na Monarquia? Não, não podia, diz VPV, por causa do esforço de guerra. Pois.
- Não podia o Manuel Custódio achar que a República queria proibir os "padres de andar vestidos de padres"? Não, também não. Porquê? Porque toda a gente sabia, e o Manuel Custódio também saberia, que a República proibiu apenas "o uso de vestes talares na rua", ou seja, os padres só não podiam usar (na rua!) batina. Em casa podiam usar o que quisessem e na via pública não estavam impedidos de envergar fato preto e cabeção. Pois.
4º MST diz que o fim dos morgadios é obra da República. Erro crasso e grave. Aqui, tem VPV toda a razão. Ninguém que vivesse da terra e que as tivesse recebido de herança ignoraria o regime sucessório aplicável. Ou melhor, saberia que a sucessão hereditária fundada nos morgadios tinha sido abolida, há muito.
5º Segundo VPV, Diogo (outra personagem do livro) acha que a República instituiu o "sufrágio universal". É claro que isso não é verdade, como bem demonstra VPV. Mas se calhar não é isso que está em causa. Tenho dúvidas de que não pudesse haver gente que considerasse o sistema eleitoral como "universal", esgotando-se o "universo" nas "pessoas políticas" (um conceito muito republicano de "personalidade cívica"). São conhecidas as enormidades da verve e da propaganda republicanas. Se havia quem chamasse (ainda hoje!!!) à I República, por oposição ao último reinado, democracia não podia haver quem considerasse "universal" aquele sistema de sufrágio?
6º Criticável para VPV é também o facto de Diogo achar que a "República decretou o divórcio para quem não é católico". VPV esclarece que o divórcio era para todos. Católicos e não católicos e adianta que estas subtilezas escapariam a Diogo. Escaparão a VPV outras, como por exemplo esta: para os católicos o casamento seria indissolúvel. Portanto, acho perfeitamente normal que para Diogo a Lei do Divórcio fosse encarada como consagrando a possibilidade de se pôr termo a um contrato, no caso de casamento, e não a um sacramento.
(continua)
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