O bicho-de-faz-de-faz-de-conta
Todos conhecem o bicho-de-conta. Talvez apenas não se lembrem a que deve o seu nome, que antes era bicho-de-faz-de-conta, isto é, bicho que imita uma conta, uma bolinha de colar, quando se sente em perigo. Poucos, em contrapartida, conhecerão o bicho-de-faz-de-faz-de-conta. Esse é mais raro, havendo na realidade um único exemplar conhecido. ---
O bicho-de-faz-de-faz-de-conta é muito mais subtil e elaborado que o bicho-de-conta vulgar de Lineu. Onde o segundo se enrola temoroso face ao perigo, o primeiro simula enroscar-se por temor, mas temor fingido e táctico; se o segundo demonstra basta estupidez dobrando-se sobre si mesmo e fechando-se ao mundo, fá-lo o primeiro apenas para simular fraqueza, confundindo os adversários antes de os surpreender com golpe fatal contra o qual não se protegem em devido tempo, por nunca o julgarem necessário. Se o bicho-de-faz-de-conta é um animalúnculo timorato, o bicho-de-faz-de-faz-de-conta é, enfim, um menino guerreiro.
Nasceu para vencer, sob a protecção e preferência de um grande líder, malogrado na força da vida. Não se cansa de reclamar-se seu herdeiro, e vê nas estrelas os mais altos desígnios para si próprio. Mas, sagaz que é, como os outros bichos-de-faz-de-faz-de-conta seriam se existissem, e não apenas este único, sabe que reclamar-se o ungido atrairia a si, como o íman à limalha, os seus inimigos num só corpo. Por isso, arguto e raposino, simula a mais total incompetência, só para disfarçar os sinais do seu génio. Revela-se tribuno combativo nos fora partidários, mas desbarata logo de seguida o seu capital em dislates sabiamente urdidos. Finge julgar que Chopin escreveu concertos para violino, desconcertando os inimigos e ocultando o seu génio de secretário da cultura. Deixa-se arrastar pela lama das revistas cor-de-rosa, para abater um pouco a sua credibilidade de estadista, não vá o eleitor achá-la demasiado grande para tão pequeno país. E finalmente deixa-se chegar a primeiro executivo da nação, cume que todos julgariam o último, mas que pisa apenas para divisar o seguinte. Simula então incapacidade para gerir o negócio público, e fornece ao adversário razões para o apear. E passa a andar por aí, a simular travessia do deserto de que nunca precisaria, só para ver regalado os opositores baixarem a guarda, ajeitando-se inadvertidamente para a estocada de misericórdia. E agora, o bicho-de-faz-de-faz-de-conta voltou a voltar. Continua a fingir a sua genial bipolaridade, desafiando o seu moriarty para duelo ao pôr-do-sol, para logo claudicar no pó ingloriamente, mas só aparentemente - que mente! E todos o dão novamente por morto. Mas quando ele se desenrolar de novo, não andará novamente por aí, patinha à frente, patinha atrás, à procura de novo buraco onde se esconder. Quando o bicho-de-faz-de-faz-de-conta se desenrolar, desenrolar-se-á o Armagedão. E os seus néscios adversários cairão a seus pés, às centenas. Que digo eu - às centenetes.
8 Comments:
Genial
Caro Jorge!
A lei da evolução das espécies ensinou-nos que cada bicho - mesmo que seja o único da sua espécie - desenvolverá todos os estratagemas necessários à sua sobrevivência, pela simples razão de que se não o fizer, morre.
Estamos assim perante uma tática da natureza. É que o bicho, cada vez que comete um erro grosseiro, tem que se suplantar a si próprio para conseguir não cair com as suas acções. E assim ficamos na dúvida sobre o que é mais extraordinário, se o erro, se a emenda.
E parece que a emenda consegue em certas ocasiões ser melhor que o cianeto.
Se o malacueco não dissesse "genial" ficávamos admirados.
Quando é que esse imbecil desampara a loja?
Cara Marta:
O teu comentário desperta-me uma dúvida cruel: não estarei a cometer um erro de perspectiva quando considero o SL um exemplo de como a selecção natural pode não funcionar? Não deveria antes concentrar-me na sociedade que permite que um tal indivíduo sobreviva, sofra mutações, se adapte, e, pior que tudo, ocupe posições que lhe permitem influenciar o curso desta sociedade que quereríamos que evoluísse para melhor? Por outras palavras, não será SL o vírus que sobrevive e a sociedade portuguesa o organismo que decai e finalmente morre por acção dele?
Acredita que adormeço todos os dias dez minutos mais tarde a pensar nisto...
Caro Imbecil:
Faço minhas as tuas palavras: quando é que desamparas a loja?
Jorge,
Quanto mais lhe bates mais dele gostas.
Caro Ricardo:
Acabo de reparar que a tua letra é parecida com a dele...
E com a tua. Devem ser todas da mesma loja ...
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