segunda-feira, outubro 15, 2007

Dedicado ao Pedro Marques Lopes (que eu não conheço!)

Compreendo que não seja fácil para um jacobino militante constatar o peso que a Igreja Católica tem no nosso país. E Fátima é paradigma disso.
Admito que quem regurgita ódio por Deus – insistindo em não perceber que o ateísmo envolve, na sua essência, a também sua impossibilidade, porquanto ao afirmar a não crença está-se, concomitantemente, a postular uma crença de sinal contrário – olhe para uma peregrinação como sinal do obscurantismo que perdura.
Admito que haja pessoas que continuem presas ao culto aporético da razão, obnubilando que a hiperbolização das suas potencialidades a feriu de morte, já que, mesmo que não tenha ditado o seu apagamento, levou à abertura consciente a outras formas de racionalidade e a outras dimensões inapagáveis do ser humano.
Admito, ainda que tudo isso implique, a um tempo, o desrespeito por uma dimensão intangível da personalidade humana – por muitos ignorada, já que se ancoram no conceptualismo autista do individualismo produto dessa mesma razão que idolatram – e a ignorância da evolução do pensamento filosófico ao longo dos tempos.
Mas custa-me aceitar que alguém que se arvora em referência da intelectualidade não seja capaz de perceber as subtilezas do mundo que contempla e insista em captar na mesma malha realidades incomparáveis.
Dou-me, por isso, ao trabalho de explicar.
Uma seita não é uma religião milenar. E, por mais que isso o amofine, o Cristianismo faz parte da herança cultural do país em que nascemos e vivemos. E Fátima faz parte do identitário nacional. Informa-nos como povo.
Talvez por isso, o Estado, que se diz laico, corra atrás da Igreja para captar audiências. Ousaria dizer que na matéria a televisão precisa mais de Fátima do que Fátima da emissão pública. E se há quem ganhe com isso são todos os fiéis que, como eu, não puderam ali deslocar-se durante o fim-de-semana. Lamento que isso o incomode. Encare-o com a serenidade própria de quem está, apesar dos pesares, em minoria.
E mais lhe digo que melhor serviço prestaria ao rigor de que se diz arauto se, na sua obstinação, não teimasse em reduzir eidecticamente tudo o que existe ao fenómeno da empresarialidade. É que, com tanta insistência, o que poderia ser um mero expediente retórico transmuta-se facilmente no diagnóstico ou de um erro ao operar a epoché ou, e dada a intelecção do mundo ser feita, no quadro agora postulado, segundo um acto de consciência, da pobreza de espírito que mais não viabiliza.

13 Comments:

Blogger Miguel Madeira said...

"o ateísmo envolve, na sua essência, a também sua impossibilidade, porquanto ao afirmar a não crença está-se, concomitantemente, a postular uma crença de sinal contrário"

Isso talvez fizesse sentido para o agnosticismo - para o ateismo o que a Mafalda escreve não tem ponta por onde se lhe pegue: o ateismo não se chama a-crencismo, isto é, o que define o ateismo não é negar a "crença", é negar a existência de deus(es), logo um ateu pode ter crenças à vontade sem entrar em contradição (a única coisa que ele não pode acreditar é em deuses, mas pode perfeitamente acreditar noutras coisas).

10/16/2007 5:37 da tarde  
Blogger Mafalda said...

Caro Miguel,

se alguém disser que Deus não existe, isso significa que está a afirmar a crença na não existência de Deus. Para tal afirmação faltam tantas provas como para a da existência de Deus. O ateísmo implica uma fé. Só que uma fé de sentido oposto. Uma contra fé. Passível de fundamentalismos vários, como qualquer outra.
Basta passear pela blogosfera para se aperceber deles.

10/16/2007 9:31 da tarde  
Blogger Miguel Madeira said...

"O ateísmo implica uma fé. Só que uma fé de sentido oposto. Uma contra fé. Passível de fundamentalismos vários, como qualquer outra"

E...? Mesmo que isso seja verdade, em que é que torna o ateismo contraditório ou impossivel? (o ateismo não significa "não acreditar em nada", significa apenas "não acreditar em deuses")

10/16/2007 11:50 da tarde  
Blogger Pedro Sá said...

Fátima foi adoptada pela igreja católica por claro interesse, porque é evidentemente acima de tudo uma manifestação de religião popular.

10/18/2007 9:01 da manhã  
Blogger Rui Dantas said...

Leitura recomendada (o artigo na wikipedia até é fraquito, mas deve ser suficiente para passar a ideia)

http://en.wikipedia.org/wiki/Negative_proof

O argumento da Mafalda basicamente resume-se a: Como é que tu podes dizer que não existem chimpazés azuis às bolinhas amarelas, quando ninguém nunca conseguiu "provar" que não existem chimpazés azuis às bolinhas amarelas?

10/18/2007 4:01 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Será que tenho que provar que não tenho nenhum cão?

10/18/2007 6:02 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Caro Manganito,

Não precisa provar que não tem porem não precisa ficar a gritar e insistir a não existência do cão...

10/18/2007 9:44 da tarde  
Blogger André Carapinha said...

«Admito que haja pessoas que continuem presas ao culto aporético da razão, obnubilando que a hiperbolização das suas potencialidades a feriu de morte, já que, mesmo que não tenha ditado o seu apagamento, levou à abertura consciente a outras formas de racionalidade»

Que outras formas de racionalidade há para lá da razão?

10/19/2007 4:01 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Caro André,

o que há é diferentes formas de razão, cada qual com a sua intencionalidade, a determinar soluções diversas aos problemas cuja resolução orienta.

Cumprimentos,

Mafalda

10/19/2007 3:24 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Obrigada por este momento zen.
Uma argumentação obnubilada ou a demonstração de que o excesso de beatagem resulta duma severa distorção cognitiva?

10/19/2007 5:39 da tarde  
Blogger AchaMesmo? said...

Sendo óbvio "uma seita não é uma religião milenar", a Mafalda parece esquecer algo igualmente óbvio : a religião que professa era, no início, como direi... uma seita?
Em retrospectiva, como julga que foi encarado o cristianismo, por uma população com outras crenças?

10/22/2007 6:26 da tarde  
Blogger Luis Rainha said...

André,

Não é preciso ir pedir testemunho ao Damásio, que até o Jung já tinha deixado bem claro que as emoções são também uma forma de racionalidade...

2/13/2008 4:24 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Quer provar que deus existe? Procure agir como ele, pois voce é um deus e esqueceu disso, por isso perde tempo discutindo a deidade, em vez de aproveitar o pouco tempo que ainda resta, para produzir, construir, agir como um deus que é. Só precisa lembrar disso, acordar do sono da ilusao, hipnose que se encontra.

10/14/2009 2:40 da manhã  

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