Ervas Daninhas
Brilhante. Genial. E perverso. Hoje à noite, não percam por nada deste mundo "Weeds" (ou "Erva", numa tradução preguiçosa), sitcom, ou algo de parecido com isso, que passa na RTP 2 . Trata duma pobre mãe de família que depois de enviuvar se vê obrigada a recorrer ao tráfico de "erva" para sustentar a família. Os actores são fantásticos, os diálogos inteligentes e desopilantes, a realização prodigiosamente hábil.
Weeds é mais um salto de gigante na arte tão exclusivamente americana do que chamarei o «polémico consensual». Pega-se num tema fracturante e maquilha-se tão bem, que pode ser lido, logo apreciado, segundo os pontos de vista mais díspares. Como o «Principezinho» e os «Simpsons», mas bem mais difícil de analisar, como um vírus que vai para os copos com os anticorpos. É uma crítica à sociedade materialista americana dos subúrbios, como é patente no fabuloso genérico? É, sem dúvida. É uma sátira aos tipos sociais dos States, como o político corrupto ou o casal rotineira e mutuamente adúltero? Absolutamente. À falência da família? À escola? Ao mundo empresarial? Tudo isso. E no entanto, é muito mais. É igualmente uma genial apologia da deliquescência de costumes, da degeneração das almas e da sociedade. Moralista, moi? Não, moralista é a frase da heroína (sim, sim, é um trocadilho) no último episódio, justificando-se perante o filho: «A erva é um crime sem vítimas.» Quando a ouvi, as dúvidas desvaneceram-se-me. A hipocrisia não é menos hipocrisia por ser inteligente, é mais. E não é exclusivo da direita social. Parece-o simplesmente menos quando vinda da esquerda, porque a esquerda faz embrulhos muito mais apelativos. Mas está lá tudo: o polícia da DEA que se apaixona pela heroína e lhe cobre as actividades enquanto lhe prende a concorrência. O cunhado/tio (desempenho superior) que leva o sobrinho de dez anos ao bordel para se iniciar, e lhe explica as várias técnicas da masturbação. O aborto tornado obrigatório por o rapazinho querer agarrar a namorada que se preparava para ir estudar para outro estado. É só escolher. E sempre deixando a dúvida entre a sátira e a apologia. A erva não causa habituação, toda a gente sabe. A erva não é um patamar para as drogas duras, toda a gente sabe. A América não é o país onde o capitalismo selvagem e o fanatismo libertário convivem de mãos dadas, prosperando nos seus interessess mútuos. Toda a gente sabe. E entretanto, como diziam os Waterboys: «And childrem stare with heroin eyes.»
6 Comments:
Tenho uma boa notícia para dar ao Jorge.
No final da segunda série, o argumento torna-se bastante menos apologético e vê-se alguns malefícios da erva, quando misturada com chumbo.
Entretanto, nos episódios passados, não se pode perder o diálogo (penso que no décimo episódio da primeira série) em que o político tenta justificar a invasão do Iraque. Memorável...
zé luís,
não tens emenda. Até aqui queres transformar a vida numa constante batalha entre a esquerda e a direita.
abç
RC
è apenas uma série com um argumento politicamente correcto. O bloco de esquerda deve-se babar sempre que a vê.
Está lá tudo, fumar ganzas é que é fixe. É mesmo muita nice. É tudo muito limpinho e tudo faz bem à saúde. É uma série muito educativa pois são todos muito direitinhos e amigos da vida saudável vivendo numa cidade onde não um único habitante a sacar de um cigarro (100% Tabaco, entenda-se), todos são "Drogrados" 100% saudáveis.
Mas e então? Fumar ganzas e dar umas por fora é assim um crime tão hediondo? Simpático, talvez, era não poder ver o filme que se queria por estar censurado, ou conversar, amenamente, com amigos no café.
Da direita à esquerda, todos consomem do mesmo. É a globalização. Habitue-se.
Meu caro Luís Bonifácio,
Por muito que as suas referências europeias lhe digam que a série é irrealista nesse ponto, eu tive a felicidade de morar um ano numa cidade norte-americana capital do consumo da erva e posso-lhe dizer que no meu liceu era mesmo assim: cigarros? Que horror, que hábito nojento. Uma ervita ao fim de semana? Porque não? É, de facto, uma perspectiva diferente que poderá até ter sido imposta pelos media mas o facto é que aquela gente abomina o tabaco e adora a erva.
Meu caro Rui Castro,
Claro que a minha função aqui dentro é envenenar os consensos com os meus pozinhos de esquerda mas eu diria que neste caso nem é preciso muito para encontrar uma divisão ideológica na questão. E não fui eu que inventei essa divisão.
Meu caro Luís Bonifácio,
Temo que não tenha saboreado a série em todas as suas dimensões.
Meu caro Rui,
Não tens emenda, sempre de dedo em riste apontado ao nosso ZLM.
Enviar um comentário
<< Home