quinta-feira, julho 05, 2007

Ainda sobre os atentados (contra-réplica)

Meu caro Rui,
Pressinto que esta nossa troca se vá tornar ideologicamente muito interessante para nós e uma valente seca para os outros leitores menos ideologicamente preparados. Eles que se lixem e vamos a isto.


Os atentados de Londres e Madrid acrescentaram, grosso modo, mais umas 160 vítimas, espalhadas por vários atentados. Bali e Egipto poderão acrescentar duas centenas. Penso que a minha estimativa por alto de 10 000 vítimas dá para cobrir isso tudo, mesmo admitindo um erro de +- 20%. As vítimas do Iraque, perdoe-me, mas não as incluo nessa contabilidade, pois elas são uma consequência directa da invasão e são levadas a cabo por cidadãos locais contra cidadãos de uma potência ocupante. Pela sua ordem de ideias, o nosso Viriato seria um terrorista contra os romanos. Eu prefiro pensar nele como um resistente.


"Porque também eu generalizei no meu post, vou perdoar este ataque de demagogia. Desde logo, registo que direita=ocidente. Constato também que, se por um lado a direita (imagino que se refiram aos EUA) tem culpa porque invade o Iraque e o Afeganistão, já noutros casos tem culpa porque não faz nada, como seja o caso do Ruanda ou do Sudão. Imagino que o facto da China (esse bastião do capitalismo) ter bloqueado o envio de tropas para o Sudão ser poucos relevante no teu raciocínio."

Convém que nos entendamos. O actual regime chinês é tudo menos um regime de esquerda. Na verdade, é um regime proto-fascista. O único resquício que tem do comunismo é um sistema autocrático que é, na prática, decalcado de qualquer outro regime de extrema-direita no mundo. A defesa dos trabalhadores é inexistente. As desigualdades entre ricos e pobres são gritantes. Naquele país, manda o dinheiro e vive tudo em função do crescimento de 10% ao ano. De esquerda, a China não tem absolutamente nada.

A questão das invasões não é tão simples como isso. Não se invade tudo ou deixa de se invadir tudo. Tentar meter o Afeganistão e o Iraque no mesmo saco é, isso sim, demagógico. A invasão do Afeganistão veio na sequência de um ataque de características militares de um país a outro país, membro de uma aliança militar de defesa mútua. A invasão do Afeganistão foi autorizada pelo Conselho de Segurança e reuniu o consenso de muitos países. Estava até a correr excepcionalmente bem até que o país que foi alvo do ataque se ter desinteressado e ter avançado para outras guerras, deixando o Afeganistão à beira de recair no jugo Talibã.

No Iraque, pelo contrário, não houve provocação, não houve violações de decisões do CS da ONU, foram fabricados dados para defender uma intervenção. Há pessoas nos EUA condenadas por terem violado a lei ao tentar justificar com recurso à fraude e à traição uma guerra que não deveria ter sido iniciada.

No Ruanda e no Sudão, qualquer país pode intervir, à luz da Carta das Nações Unidas, por ser uma situação óbvia de evitar o cometimento de um crime grave. Não estou a dizer que devam intervir. Sou contra a violência e a utilização da força. Penso que diplomaticamente era possível ir mais longe, sobretudo com diplomacia preventiva. Agora, não podem os EUA e o RU invocar esses motivos para invadir uns países e deixar passar outros mais flagrantes ali ao lado.
Achei a invasão do Afeganistão infelizmente necessária, a do Iraque uma fraude internacional, a do Ruanda um dever de todos os países do mundo que ficou por cumprir e, no Sudão, necessidade de usar alavancar diplomáticas bem mais fortes, ainda que isso custe perder uns bons negócios em África para a China.

"Já a referência aos terroristas amadores, que se deixaram apanhar, evito comentar, pois não deves andar a ver as mesmas notícias que eu. Analiso agora, ponto por ponto, oa males do Mundo que atribuis à direita, deixando para trás as questões ambientais, pois a verdade é que ainda agora se demonstrou que a China é o maior poluidor. Ou será que tens uma teoria acerca do assunto, sei lá, que a China é de direita ou assim!?"

Não tenho nenhuma teoria. A China É um país de extrema direita. Pratica um capitalismo do mais selvagem que subjuga toda a dignidade do homem e da mulher, vistos como meras porcas e parafusos do aparato industrial. Os enriquecimentos estratosféricos no meio de um país pobre ofendem a dignidade humana e a total ausência de regulamentação faz da china um paraíso para empresas irresponsáveis.

"Gostava de saber quantos milhões são esses e quem é que os gasta?"

Os milhões de milhões são gastos pelos privados, pelas empresas e pelo estado, em milhões de veículos automóveis que arrastam duas toneladas de metal para transportar uma pessoa de 90 quilos. Considerando apenas o microcosmos de Portugal, pegue-se no custo total do parque automóvel de vários milhões de veículos. Pegue-se no consumo diário de combustíveis. Pegue-se nos milhares de milhões gastos em construção da rede viária. Pegue-se nos custos externos como reabiilitação de vítimas de acidentes, redução do CO2 emitido. Junte-se essa quantia inimaginável e veja-se o sistema de transportes de luxo que não poderíamos ter em Portugal, com uma rede densa de metro, bons comboios entre as localidades e uma rede flexível de táxis mini-bus, para chegar aos pontos menos acessíveis. Seria uma solução muito mais barata para o conjunto do país e muito mais ecológica. Simplesmente, nenhuma pessoa individual poderia fazer esse investimento sozinha. As pessoas individuais só têm dinheiro para comprar um automóvel. Só o estado tem dimensão para realizar esses investimentos que são realmetne mais racionais. Mas, para isso, tem de cobrar impostos que fazem as pessoas comprar menos carros e dão dinheiro ao estado para construir as alternativas racionais. Mas a direita não quer nem ouvir falar disso. Não está para aturar o cheiro a sovaco do vizinho num transporte colectivo. Por isso, insiste no modelo individualista esbanjador que dá dinheiro às empresas de automóveis a montante e a jusante.

"Quanto à linha férrea, está enganado, pois são os tais países malandros de direita que têm as melhores linhas férreas."

Os EUA têm um dos piores caminhos de ferro do mundo. A Amtrak sofre todos os anos pressões para ser extinta pelos congressistas conservadores que não querem ver lá mais dinheiro investido.
O Reino Unido tem um CF aceitável por virtude da inércia que traz de uma via que vem desde os tempos vitorianos e que chegava a todas as aldeias. Nos últimos 20 anos, porém, sofreu um desinvestimento brutal e os resultados estão à vista, com uma das mais altas taxas de acidentes por falta de manutenção atempada.

A França e os países do Norte da Europa, que aplicam o modelo de socialismo democrático que eu defendo, com fortes investimentos do estado e com cobranças fiscais verdadeiramente eficazes, têm das melhores vias férreas do mundo. Enquanto em Portugal se vive genericamente a primeira geração em que o carro é universal, nesses países começa a viver-se a primeira geração em que a família não tem carro. Usa os transportes públicos e aluga um carro das poucas vezes que quer fazer um passeio a uma zona não coberta por transportes públicos.

"Para já, alegar que são centenas de vidas as poupadas parece-me um bocado excessivo, não!? Baseias-te em quê? E o que é que isso tem a ver com a (falta de) segurança nas estradas?"

Baseio-me no facto de que até aos anos 70-80 não havia a segurança aeroportuária que há hoje e morreram umas centenas de pessoas vítimas de ataque terrorista ou sequestro. Hoje, gastam-se milhares de milhões em revistas aos passageiros, aparelhos de detecção, guardas armados a bordo, regras kafkianas de transporte de objectos, intimidação dos passageiros e, no fim, continua a haver atentados.

Entretanto, está mais do que provado que a presença dissuatória de patrulhas nas estradas reduz significativamente o número de acidentes. Mas não só não há dinheiro para pôr mais patrulhas nas ruas como os patrões da direita não gostam que lhes impeçam o seu direito divino a percorrer a A1 a 220 km/h


"Esta também tem a sua piada. Eles é que nos dão cabo da saúde!? Pois claro, nós somos uma cambada de inimputáveis."

Não somos ainda bem inimputáveis (apesar de eles tentarem), mas somos manipulados. Já tentou ter uma criança e mandá-la para a escola com um pacote de leite e uma sandes? Já a viu chegar a casa revoltada porque os amigos comem bolycao e bebem coca-cola e chamam-lhe a ela copinho de leite? Já viu a publicidade que essa gente gasta nos intervalos dos programas infantis, para pôr as criancinhas a seringar os ouvidos dos pais na prateleira do supermercado? Já viu como os supermercados colocam esses produtos mais nocivos mas apelativos nas prateleiras mais baixas, onde só as crianças os vêem. Vá viu a média de horas de brincadeira ao ar livre da nossa geração em comparação com a geração actual (65 horas/semana para 19 horas /semana)? Tudo porque estamos numa sociedade consumista agressiva onde não é seguro deixar andar as crianças na rua sozinhas (eu andava desde os 5 anos. Hoje nem sequer me deixam que os meus filhos de 9 e 11 anos andem sozinhos). Depois, com uma sociedade que obriga ambos os pais a trabalhar para manter um nível de vida aceitável, entregamos as crianças às avós e aos ATL que, para não terem muito trabalho, os põem ao computador ou na consola. Sim. Isso para mim faz tudo parte do modelo consumista que a direita nos vendeu.

"Talvez o melhor mesmo seja acabar com essas multinacionais pejadas de malandros, que nos querem "matar". Depois, pegas nos milhares de trabalhadores, ou deverei dizer desempregados (?), e o Estado oferece uns empregos na função pública para os sustentar. De qualquer das formas, afirmar que o Serviço Nacional de Saúde precias e mais dinheiro só pode ser piada. Vai ao orçamento geral do estado dos últimos anos e vê lá qual o sector que mais dinheiro recebe."

Esses milhares de trabalhadores estavam, por exemplo, na banca nacionalizada. Dizem que eram ineficientes. Eu, pelo contrário, tinha uma excelente impressão deles. Punha lá o meu dinheiro e pagavam-me juros. Por terem todos o mesmo patrão, criaram a rede mais avançada de ATM do mundo, com serviços que muitos países modernos ainda não têm. Os juros para pedir dinheiro emprestado eram altos, mas isso fazia com que as casas fossem 100 vezes mais baratas, por simples aplicação da lei da oferta e da procura.
Hoje, banca privada, o banco não me paga nada. Tudo o que eu queira fazer, já estou a pagar uma comissão. Uma transferências ELECTRÒNICA demora 3 dias. Os juros baixaram mas as casas subiram na mesma exacta proporção, pelo que agora pago o mesmo ou ainda mais pela prestação da casa e às vezes é por 40-50 anos, em vez dos antigos 25.
As novas funcionalidades do MB são muitas vezes exclusivas de cada banco quando poderiam ser aproveitadas por todos como quando o dono era o mesmo.

Poderão também ir como médicos para os hospitais públicos, acabando com a medicina privada. Se uma consulta de um médico no hospital custa ao estado cerca de 12 euros porque é que a mesma consulta no privado há-de custar 70-80 euros? As seguradoras têm um overhead administrativo na ordem dos 30%. O estado gasta menos de 5% em despesas administrativas, pois não perde tempo e dinheiro a tentar processar os seus pacientes para não os tratar.

Poderão ainda ir para as universidades fazer a investigação que tanta falta faz e que está sempre a ser torpedeada pelo governo que tira da educação para pôr na ciência e depois tira da ciência para pôr na educação. Assim, pode dizer que investiu não sei quantos milhões e educação e ciência mas, na realidade, era sempre o mesmo dinheiro que entrava por um lado e saía por outro.


E depois, tem as pequenas e médias empresas, que são essas sim muito mais eficazes, com overheads muito mais baixos, que competem por serem as melhores e não por pagaram melhores lóbis no governo. E são essas, não as multinacionais, quem realmente cria emprego e riqueza.

Por fim, o sector da saúde é o que mais recebe porque vive neste sistema ambíguo público privado em que tudo o que dá lucro vai para o privado, tudo o que dá prejuízo vai para o público. Apesar disso e, com todas as dificuldades do sistema, temos um serviço de saúde muito acima da média mundial, mesmo de países como os EUA onde picos de excelência se ressaem num cenário de mediocridade. Ao contrário do que se pensa, as operações verdadeiramente urgentes são realizadas quase de imediato em Portugal, as outras têm prazos entre 3 meses e 1 ano (com raras excepções nas electivas), o que está perfeitamente dentro dos padrões recomendades pela OMS. Abaixo disso, entra-se num ciclo de custos crescentes sem ganhos detectáveis da qualidade de saúde da população. Finalmente, é óbvio que numa sociedade capitalista e materialista que desencoraja os filhos porque baixam o rendimento disponível dos pais, a taxa de natalidade cai, a população envelhece e os custos com a saúde aumentam. Isso poderia resolver-se parcialmente, deixando entrar imigrantes que mantivessem uma estrutura etária mais normal. Mas isso, de novo, a direita combate com unhas e dentes, pois só é a favor do livre comércio quando esse livre comércio não abrange a mão de obra.




"Modelo de saúde pública com provas dadas? Presumo que tenhas decidido incluir um momento de humor para aliviar a tensão. "

Não há humor nenhum. O nosso SNS começou tarde, pelo que ainda não atingiu a excelência. Com os cortes de que é alvo, possivelmente nunca chegará. Mas, enquanto cresceu os índices de saúde em Portugal não pararam de melhorar. A mortalidade infantil, o mais importante, caiu de 23/1000 para 3 /1000. A esperança de vida aumentou. O número de cirurgias disparou. A qualidade de vida na terceira idade não tem comparação.

A alternativa é um total desconhecimento do que se passa na saúde em Portugal, com listas de espera para cirurgia ou consulta de meses, em alguns casos, anos, um péssimo antendimento, total imprepração do pessoal administrativo, más condições dos hospitais... Não vale a pena continuar, pois só pode ter sido mesmo um momento de humor.

Infelizmente, o meu estado de saúde faz-me conhecer muito, muito bem, o sistema de saúde em Portugal. Já fui operado no público e no privado. No público, esperei 3 dias, fui operado num hospital com todas as condições de segurança e serviço de reanimação. Estive internado 3 dias, sempre com um médico especialista de prevenção no hospital.. No privado fui operado numa sala meio manhosa, só com o basicozinho. Estive um dia e uma noite no quarto, só havendo enfermeiras na clínica (nem um só médico em caso de urgência). Uma secretária de estado do Cavaco Silva teve o filho numa clínica dessas e acabou por morrer, por não haver equipamento de reanimação que havia em qualquer hospital público. Chateia-me esperar 2 horas pela minha consulta, por má organização. Mas, no meu dentista privado, já cheguei a esperar 4. Gostava só de saber porque é que não se separa por completo a saúde pública da privada. Quem exercesse numa, nunca mais podia exercer na outra. Quem fosse atendido numa, nunca mais poderia ser atendido na outra. Numa as seguradoras faziam os preços e as regras de atendimento, na outra o estado fazia as regras e cobrava os impostos para pagar o sistema apenas àqueles que optaram pelo sistema público. Se a seguradora desse um chuto num cliente porque ele entretanto apanhou SIDA e deixou de ser interessante, esse não podia ir bater à porta do público. Queria vez se havia alguém suficientemente doido para se ir meter com as seguradoras.

"Confesso que não tenho vocação profética, mas, como é óbvio, as certezas que demonstras não encontram qualquer sustentação, quer na história quer na ciência.
Não disse, e nunca o afirmarei, que a culpa dos males do mundo esteja na esquerda. Mas a verdade é que não se dando ao respeito, nunca a esquerda será respeitada. Acredita que tenho pena."

Não é vocação profética. É retrospectiva. Pega num livro sobre a actuação da CIA no médio oriente nos anos de 50, 60 e 70. Lê as operações que eles admitem ter feito lá. Olha para a situação actual e vê se a raíz do mal não foi semeada aí nesses anos. E, pior do que isso, continua a ser semeada nos dias de hoje. Essa direita golpista, essa direita que subjuga governos para avançar interesses económicos, essa direita que promove guerras para enriquecer, está a gerar um ódio contra todo o ocidente e o mundo moderno do qual todos nós ainda poderemos vir a ser vítimas.

5 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Caro José Luís Malaquias...

A expressão incontinente verbal não é para ser levada à letra...

Nunca ninguém lhe disse que, às vezes, só às vezes, escreve um bocado demais?

Chiça!

7/05/2007 1:45 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Caro anónimo

Não diga essas coisas, senão ainda lhe chamam "leitor ideologicamente menos preparado".

7/05/2007 1:53 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Bravo.

O texto está na proporção certa, atacando cada ponto directa e sucintamente.

Só não concordo consigo na questão da impossibilidade de alguém que tenha um seguro privado de saúde não poder ingressar novamente no público. Deveria ser, isso sim, mutuamente exclusivo, mas podendo sempre mudar. Os abusos nestas mudanças seriam fraude e caso de polícia.

JDC

7/05/2007 2:02 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Caro JDC,

Claro que concordo consigo. O meu ponto era uma questão de retórica. Se lhe dessem a oportunidade de escolher mas lhe dissessem que, depois de escolher, nunca mais podia mudar, por qual é que optava? Claro que optava pelo público, pois sabe que aí nunca o chutarão fora quando for velho e deixar de ser rentável.

Só disse que não podia mudar para evidenciar que, encostados à parede, todos preferimos o público.

7/05/2007 7:37 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

JLMalaquias disse... at 7/05/2007 7:37 PM

A retórica tem muito que se lhe diga e não é para cabecinhas ocas, como as dos comunistas que à semelhança das lagostas - de que eles gostam tanto... - estão cheias de merda e quanto mais melhor.
Assim sendo, uns guardam a dita numa prateleira a bom recato - ou na gaveta, como fez o Soares - ou metem-na noutro sítio que a gente já sabe qual é.
E que tenham bom proveito.
Quanto ao "público", admitindo que você se refere ao SNS, você pode preferir o que quiser. O que não pode é debitar opiniões em nome dos outros.
Revelando uma ignorância assustadora, não sabe - ou não quer ver - que ninguém se quer sujeitar ao SNS.

...

7/06/2007 6:48 da manhã  

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