quinta-feira, julho 05, 2007

ainda sobre os atentados (articulado superveniente)

Meu caro Zé,
Sem falsas modéstias, deixa-me que te diga que me sinto ideologicamente mal preparado para esta discussão, pelo que me irei cingir ao que para mim é senso comum. Tentarei também ser breve.
"Os atentados de Londres e Madrid acrescentaram, grosso modo, mais umas 160 vítimas, espalhadas por vários atentados. Bali e Egipto poderão acrescentar duas centenas. Penso que a minha estimativa por alto de 10 000 vítimas dá para cobrir isso tudo, mesmo admitindo um erro de +- 20%. As vítimas do Iraque, perdoe-me, mas não as incluo nessa contabilidade, pois elas são uma consequência directa da invasão e são levadas a cabo por cidadãos locais contra cidadãos de uma potência ocupante."
Se vamos falar de vítimas, sem entrar em demagogia, vais desculpar-me mas recuso arredondamentos por alto e/ou percentagens. E quanto a estes números, estás enganado. Foram 192 mortos em Espanha e 56 em Inglaterra. Fizeram cerca de 3.000 feridos. Já em 88, em Lockerbie, foram 270 mortos. NY, 2001, foram 3000 mortos, no Bali, em 2002, foram 200 e no Egipto, ascendeu a 50 mortos.
Já o facto de ignorares que os atentados perpetrados no Iraque vitimarem na sua grande maioria iraquianos, que nada têm a ver com o "invasor", é grave e indicia o vício de que as tuas ideias nesta matéria padecem.
"Convém que nos entendamos. O actual regime chinês é tudo menos um regime de esquerda. Na verdade, é um regime proto-fascista. O único resquício que tem do comunismo é um sistema autocrático que é, na prática, decalcado de qualquer outro regime de extrema-direita no mundo. A defesa dos trabalhadores é inexistente. As desigualdades entre ricos e pobres são gritantes. Naquele país, manda o dinheiro e vive tudo em função do crescimento de 10% ao ano. De esquerda, a China não tem absolutamente nada."
Só pode ser piada. Era o que faltava que a esquerda pretendesse agora imputar à direita a falência dos seus regimes predilectos. Para responder à letra, eu podia sempre tentar explicar que Hitler era de esquerda com o seu nacional-socialismo ou que Mussolini, no fundo no fundo, era um comunista ressabiado. Não o faço, no entanto, pois, apesar de direita, não me revejo em qualquer uma dessas ideologias.
Já agora, gostava que me indicasses um único país, que tenha adoptado uma política clara de esquerda, que possa constituir um bom exemplo nesta tua luta do Bem (esquerda) contra o Mal (direita). Será a Venezuela de Chávez, Cuba de Fidel, a Coreia do Norte...?
"A China É um país de extrema direita. Pratica um capitalismo do mais selvagem que subjuga toda a dignidade do homem e da mulher, vistos como meras porcas e parafusos do aparato industrial. "
Meu caro, apesar da confusão nos conceitos, acabaste de descrever com alguma precisão o que significa o comunismo: prejudica-se o individual em favor do colectivo, a liberdade em prol da igualdade.
"Os milhões de milhões são gastos pelos privados, pelas empresas e pelo estado, em milhões de veículos automóveis que arrastam duas toneladas de metal para transportar uma pessoa de 90 quilos. Considerando apenas o microcosmos de Portugal, pegue-se no custo total do parque automóvel de vários milhões de veículos. Pegue-se no consumo diário de combustíveis. Pegue-se nos milhares de milhões gastos em construção da rede viária. Pegue-se nos custos externos como reabiilitação de vítimas de acidentes, redução do CO2 emitido. Junte-se essa quantia inimaginável e veja-se o sistema de transportes de luxo que não poderíamos ter em Portugal, com uma rede densa de metro, bons comboios entre as localidades e uma rede flexível de táxis mini-bus, para chegar aos pontos menos acessíveis. Seria uma solução muito mais barata para o conjunto do país e muito mais ecológica."
A teoria de que o ambiente é uma preocupação da esquerda já não cola. Parece-me evidente que o problema do ambiente é de todos. O que nos podererá separar é a forma de o resolver. Confesso que prefiro não "nacionalizar" o país. Porque não dar benefícios fiscais às empresas que contribuam de facto para uma melhoria de qualidade ambiental, às que comprovadamente produzam menos lixos e apostem na reciclagem? Às que desenvolvam indústrias menos poluentes? Às que comercializem produtos ou prestem serviços "verdes"?
Bem sei que a esquerda (alguma, pelo menos) gosta de monopólios, mas deixa-me que te diga que esta luta é de todos.
"Só o estado tem dimensão para realizar esses investimentos que são realmetne mais racionais. Mas, para isso, tem de cobrar impostos que fazem as pessoas comprar menos carros e dão dinheiro ao estado para construir as alternativas racionais. Mas a direita não quer nem ouvir falar disso."
Não sei o que a direita quer ou não quer. Eu tenho a certeza de que não quero um Estado que decide o que é racional e que me leva quase 50% dos meus rendimentos em impostos. Para mais, quando é dinheiro mal gasto em sistemas de educação ou de saúde que não funcionam e que, apesar de todos os milhões gastos, estão à beira da falência. Para mais, quando se invoca um princípio de universalidade raramente cumprido. Fica sabendo que estou há mais de 3 anos a tentar colocar as minhas filhas em infantários públicos ou subsidiados pelo Estado e até hoje não apareceu uma vaga, uma que seja. Qual a moral deste sistema?
"A França e os países do Norte da Europa, que aplicam o modelo de socialismo democrático que eu defendo, com fortes investimentos do estado e com cobranças fiscais verdadeiramente eficazes, têm das melhores vias férreas do mundo."
Já só faltava dizer que a França e os países nórdicos têm regimes de esquerda. Afirmá-lo é ignorar que nos últimos 20 ou 30 anos a maioria dos governos eleitos têm sido de direita, assumindo políticas de cariz liberal, em termos económicos, mantendo, porém, preocupações sociais perante quem delas necessita.
"Baseio-me no facto de que até aos anos 70-80 não havia a segurança aeroportuária que há hoje e morreram umas centenas de pessoas vítimas de ataque terrorista ou sequestro. Hoje, gastam-se milhares de milhões em revistas aos passageiros, aparelhos de detecção, guardas armados a bordo, regras kafkianas de transporte de objectos, intimidação dos passageiros e, no fim, continua a haver atentados."
Já pensaste que se não fossem essas medidas, as vítimas seriam hoje em número muito superior? Pretendes então deixar de revistar malas e passageiros? Abrir fronteiras? Qual a solução, peace and love for all?
"Entretanto, está mais do que provado que a presença dissuatória de patrulhas nas estradas reduz significativamente o número de acidentes. Mas não só não há dinheiro para pôr mais patrulhas nas ruas como os patrões da direita não gostam que lhes impeçam o seu direito divino a percorrer a A1 a 220 km/h"
Ficamos, pois, a saber que são os patrões de direita (sim, porque de esquerda não há patrões) que andam a acelerar na estrada. Por outro lado, registo que não queres protecção e segurança nos aeroportos, mas já vês com bons olhos polícias nas estradas a controlar a velocidade!
"Já tentou ter uma criança e mandá-la para a escola com um pacote de leite e uma sandes? Já a viu chegar a casa revoltada porque os amigos comem bolycao e bebem coca-cola e chamam-lhe a ela copinho de leite? Já viu a publicidade que essa gente gasta nos intervalos dos programas infantis, para pôr as criancinhas a seringar os ouvidos dos pais na prateleira do supermercado? Já viu como os supermercados colocam esses produtos mais nocivos mas apelativos nas prateleiras mais baixas, onde só as crianças os vêem. Vá viu a média de horas de brincadeira ao ar livre da nossa geração em comparação com a geração actual (65 horas/semana para 19 horas /semana)?"
Tenho 3 filhas lá em casa e sou que as educo. Pode não ser fácil, mas é o que tento fazer. É por isso que comem fast food quando eu entendo, que comem doces quando eu deixo ou que vêem os programas na televisão que eu deixo. E é por uma melhor educação que devias lutar, em vez de pretenderes que o Estado eduque os teus filhos e os filhos dos outros. Era só o que mais me faltava.
"Esses milhares de trabalhadores estavam, por exemplo, na banca nacionalizada. Dizem que eram ineficientes. Eu, pelo contrário, tinha uma excelente impressão deles. Punha lá o meu dinheiro e pagavam-me juros."
Pagavam-te juros mas cobravam-te outros ainda mais elevados. Tudo para manter uma despesa pública calamitosa e serviços públicos ineficientes.
"Os juros baixaram mas as casas subiram na mesma exacta proporção, pelo que agora pago o mesmo ou ainda mais pela prestação da casa e às vezes é por 40-50 anos, em vez dos antigos 25."
Custa-me crer que estejas a defender o período mais negro da nossa economia pós-25 de Abril, pois a verdade é que vivias num país endividado, em que os preços aumentavam todas as semanas e em que a qualidade de vida da generalidade da população era substancialmente inferior à que existe actualmente.
"Se uma consulta de um médico no hospital custa ao estado cerca de 12 euros porque é que a mesma consulta no privado há-de custar 70-80 euros?"
Porque as consultas custam efectivamente mais do que isso. É, aliás, esse o motivo para teres um sistema de saúde à beitra da ruptura, financeira e não só.
"Pega num livro sobre a actuação da CIA no médio oriente nos anos de 50, 60 e 70. Lê as operações que eles admitem ter feito lá. Olha para a situação actual e vê se a raíz do mal não foi semeada aí nesses anos. E, pior do que isso, continua a ser semeada nos dias de hoje. Essa direita golpista, essa direita que subjuga governos para avançar interesses económicos, essa direita que promove guerras para enriquecer, está a gerar um ódio contra todo o ocidente e o mundo moderno do qual todos nós ainda poderemos vir a ser vítimas."
Não me parece que a CIA seja uma consequência das políticas de direita. Mais, reportas a um período de Guerra Fria em que do outro lado da barricada tinhas quem tu bem sabes. Cometeram-se erros de parte a parte e praticaram-se as maiores atrocidades, tudo resultado de uma péssima negociação no pós-2.ª Guerra. Daí a atribuir à direita os males do Mundo vai uma grande distância.
P.S. Alguém sabe como é que se activa aquela funcionalidade do ver mais/ver menos? É que mais um post como este e aposto que ficamos sem leitores!

8 Comments:

Blogger L. Rodrigues said...

É de facto preciso um certo endurance para acompanhar a discussão, mas que isso não vos iniba.

Só um comentário à questão dos regimes:
Num post rejeita 50% de impostos mas no outro afirma que paises que os praticam (ou quase) são "de direita". A direita pode ter ganho eleições, mas o sistema onde essas direitas governam é precisamente o que as nossas direitas querem abortar: Estado Social, Impostos elevados, sindicatos fortes, por exemplo.

E, se apesar de direita não se revê "naquelas" ideologias (nazi, fascista), conceda ao menos a quem é de esquerda o direito de não se rever na Chinesa.

Um aparte: É muito curioso saber que representantes chineses precisam de fazer lobby em Washington no sentido de sensibilizar as empresas americanas que actuam na China no sentido de dar mais direitos aos seus trabalhadores...

7/05/2007 8:19 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Rui Castro em 7/05/2007 02:47:00 PM disse:

Custa-me crer que estejas a defender o período mais negro da nossa economia pós-25 de Abril, pois a verdade é que vivias num país endividado, em que os preços aumentavam todas as semanas e em que a qualidade de vida da generalidade da população era substancialmente inferior à que existe actualmente.

A situação que refere, quanto ao país endividado, só sucedeu depois do tal 25 de Abril. Antes, Portugal não tinha dívidas.


...

7/06/2007 6:19 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

L. Rodrigues disse... at 7/05/2007 8:19 PM

Qualquer coisa que não tem grande interesse e por isso nem vale a pena rebater.
Só o quero chamar a atenção para o facto de que são poucos os cidadãos portugueses, entre os quais gente no limiar da pobreza, que não estão sobrecarregados de impostos, directos e indirectos, superiores aos tais 50%.
Aproveito para esclarecer que, nos países nórdicos, os seus povos permitiam que as esquerdas - Comonistas e socialistas declarados - estivessem nas suas assembleias porque só tinham 5% dos votos e, dessa maneira, não faziam mal a ninguém.
Hoje, estão arrependidos de tanta indugência.


...

7/06/2007 6:30 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Escrevi comunistas em vez de comunistas. Os gajos não se ofendem e a merda é a mesma.

...

7/06/2007 6:32 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

"E, se apesar de direita não se revê "naquelas" ideologias (nazi, fascista), conceda ao menos a quem é de esquerda o direito de não se rever na Chinesa."
Caro L. Rodrigues. Com certeza que concedo. Mas tal como eu não rejeito o facto do nazismo e do fascismo se situarem na extrema-direita, penso que não será excessivo pedir que não tentem afirmar que a China tem um regime de extrema-direita, só porque com ela não concordam.
Rui

7/06/2007 10:34 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

"A situação que refere, quanto ao país endividado, só sucedeu depois do tal 25 de Abril. Antes, Portugal não tinha dívidas."
Caro anónimo,
Como eu disse no meu post "pós-25 de Abril" (e não pré!). Got it?
Rui

7/06/2007 10:35 da manhã  
Blogger José Luís Malaquias said...

Meu caro Rui,

Os partidos nazis e fascistas, independentemente do seu posicionamento no espectro político, foram coerentes do princípio ao fim.
Agora, o comunismo chinês anterior ao Deng Xiao Ping não tem nada a ver como o que veio a seguir.
Todos os princípios do sistema comunista, desde a propriedade colectiva ao banimento dos intelectuais, foram completamente rechaçados e os resistentes (o bando dos quatro) condenados à morte.
Do ponto de vista económico, a China actual está mais próxima do pensamento liberal do Milton Friedman do que do livrinho de pensamentos do Mao. Isto é um facto.
Acho que, por muito que tentes, não consegues encontrar um resquício de comunismo no actual sistema económico chinês.
Aliás, se aquilo fosse um sistema comunista e tivesse conseguido obter os 10% de crescimento médio anual que eles tiveram nos últimos 20 anos, então eu diria que o comunismo seria o sistema económico mais competitivo do mundo e nós sabemos que não é assim.

Quanto aos outros pontos, já são demasiados para rebater um a um. Mas, com o tempo, tenho a certeza de que poderemos voltar a abordá-los um por um.

7/06/2007 2:13 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Rui at
7/06/2007 10:35 AM

I've got that and confirmed.
No problem. This way it stands more clear.

Ou seja, nunca é demais repetir a verdade para os idiotas perceberem.
Got that?

...

7/07/2007 5:42 da manhã  

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