quarta-feira, junho 20, 2007

Jesus Cristo era comunista? (2)

Impõe-se publicar como post a resposta que o Nuno Pombo deu ao ZLM (Zé Luís Malaquias) ali mais em baixo:
"Caro Zé Luís, depois de ter lido o post, ocorre-me desfazer um mito. No tempo de Cristo, de facto, não havia comunismo e, no tempo do dito barbudo, também não. Do que se tratava era, em termos gerais, do socialismo. Não deste que baptiza alguns partidos europeus. Do outro, o do séc. XIX. E esse socialismo surge como uma reacção às correntes liberais que, por sua vez, são uma experiência ateia da mais velhinha fisiocracia. Esta, por seu turno, sucedeu ao ainda mais remoto mercantilismo e por aí fora. Isto para dizer que, na verdade, o socialismo é fruto do liberalismo. É uma das suas mais nefastas sequelas. Mas houve outras reacções, entre elas as que foram protagonizadas por influentes pensadores católicos e que resultaram naquilo que vulgarmente se chamou "reacções cristãs", para as quais o próprio papado contribui. Então, o que une "cristãos" (eram católicos, mas adiante) e "socialistas". A condenação firme da desumanização potenciada pela crueza do liberalismo. A refutação liminar da impossibilidade de suavizar as consequências de um funcionamento natural (ex natura) do mercado. O erro é achar-se que a única corrente que contraria essas decorrências liberais é o socialismo. Não é. Nem nunca foi. Quem lê a mensagem de Cristo percebe que ela é incompatível com o liberalismo oitocentista. E zás... então Cristo é socialista! ERRO CRASSO! A única coisa que pode concluir-se é que Cristo não seria liberal (oitocentista, entenda-se. Hoje os "liberais" não são os alter egos do Adão Smith, do David Ricardo, ou doutros que tais).Há uma grande diferença entre a proposta socialista e a cristã: a propriedade privada. O que é a propriedade?, perguntava Proudhon. O roubo, respondia de seguida. Pois para o pensamento cristão, a propriedade não só não é a semente de toda a exploração como é uma via de salvação. De independência. Se eu posso ter, não estou dependente do que "alguém" possa suprir as minhas necessidades. Ou seja, as bandeiras, ainda hoje, da esquerda, não são património da esquerda. Esse é um mito tremendo, que estranhamente os politólogos não querem contrariar. O primado da pessoa (não do cidadão, palavra que me irrita)é também património do pensamento cristão e, nessa medida, de muitos daqueles que se reclamam de direita. E dizer isto, Zé Luis, é sustentar que não são também de esquerda alguns, como eu, que se dizem de direita. É dizer que não é de esquerda boa parte daquilo que é património da nossa civilização personalista. Quando acabarem esses mitos, teremos mais ar para respirar..."

9 Comments:

Blogger L. Rodrigues said...

Nesse caso, permitam que copie para aqui o comentário ao comentário:

Caro Nuno Pombo,
Creio que há um mito maior por trás do que diz: O Mito do bem absoluto e do mal absoluto.
Como acredita à partida que a esquerda é absolutamente má, nada do que os seus proponentes digam de bom pode ser de esquerda.

6/20/2007 12:10 da tarde  
Blogger Nuno Pombo said...

Caro L. Rodrigues,
Nem pense numa coisa dessas. Eu não acredito que existam coisas absoluta e exclusivamente boas ou más. Nem a esquerda. Só quis dizer que boa parte das bandeiras da esquerda são um mito se a entendermos como exclusivas da esquerda. São património de uma civilização personalista. E personalistas, à esquerda e à direita podem encontrar-se, acho eu. Mas é verdade que a minha matriz não é socialista.

Repto maior seria este, L. Rodrigues: o que separa a Esquerda da Direita?

6/20/2007 12:25 da tarde  
Blogger L. Rodrigues said...

Eu diria que a diferença maior é ainda a visão do papel do estado.

É por isso que alguma esquerda afirma que, por exemplo, o PS faz politicas de direita (em parte com o alibi de ser forçado a isso pelo consenso neo-liberal que domina parte importante dos centros de decisão europeus).

A ideia de que a economia é uma ciencia exacta e como tal politicamente neutra tem contribuido para os partidos de esquerda com acesso ao poder partilharem fatias grandes desse terreno à direita. Daí a aparente diluição de fronteiras.

6/20/2007 1:07 da tarde  
Blogger Nuno Pombo said...

Caro L. Rodrigues,
Vejo que não quis ou não soube traçar a fronteira...

6/20/2007 2:50 da tarde  
Blogger José Luís Malaquias said...

Mais uma vez, I.Rodrigues põe o dedo na ferida ao levantar a questão do papel do estado. Essa é uma questão pragmática que não está presa às etiquetas de socialista, fascista, liberal, progressista, podendo assim discutir-se os seus méritos e desméritos de forma serena, sem a carga ideológica por trás.

Deverá uma pessoa de convicções religiosas, que toma como modelo a vida de Cristo, defender um estado mais interventivo, que promove a redistribuição de rendimentos, uma rede de segurança contra a exclusão, os cuidados de saúde universais, independentemente de toda a tralha ideológica que está associada a essas questões? Ou deverá defender o princípio da individualidade, do cada um por si, da prosperidade sem responsabilidades civis e sociais?

6/20/2007 3:05 da tarde  
Blogger L. Rodrigues said...

Não creio que haja uma fronteira clara.
Aliás ultimamente considero mais útil a distinção entre autoritarismo e não autoritarismo, e isso é óbvio que há dos dois lados "clássicos".

6/20/2007 3:07 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Muito boa "discussão"... continuem s.f.f.

também é giro conhecer a origem das expressões "esquerda" e "direita" relacionadas com a política, que se não me engano foi na revolução francesa relativamente a quem se sentava onde no parlamento... e as conotações do lado esquerdo e do lado direito (que não os políticos) com essas expressões... os termos direita e esquerda nos diversos idiomas, etc...

6/20/2007 3:08 da tarde  
Blogger José Luís Malaquias said...

Meu caro Nuno Pombo,

Tenho de lhe confessar que o seu post (resposta ao meu post) me deixou profundamente irritado.
Não irritado consigo, certamente, pois tudo o que diz é correcto e escrito de forma brilhante, como é seu hábito.

Como diletante que sou, escrevo com o coração ao pé da pena e misturo conceitos e correntes ideológicas, metendo tudo em dois grandes sacos, de esquerda e de direita, quando a realidade ideológica é bem mais complexa e tem todo um historial de 3 séculos por trás. O Nuno Pombo obriga-me a precisar conceitos e isso retira-me do meu pequeno mundo a preto e branco para um mundo com um sem número de cambiantes cinzentas.

É muito mais complicado vender o nosso peixe a uma pessoa de conceitos tão bem definidos, pois temos de estar sempre à defesa quando começam a ser atacados aqueles que nos precederam nas nossas famílias ideológicas.

Mas penso que, para simplificar a discussão, poderíamos estar de acordo em pôr para trás toda a tralha ideológica que já vem desde o Século XVII. Nem o Leviatã de Hobbes se concretizou; nem a mão invisível de Adam Smith é tão invisível como isso; a revolução de Marx como estádio final do capitalismo ficou no caixote de lixo da história; Ricardo, Keynes, Galbraith, Friedman, o Reaganomics sucederam-se mais rapidamente do que as modas nas passereles de Milão.

Vamos, por isso, começar de novo, fazer um reset ideológico e definir uma nova esquerda baseada nos princípios de defesa do indivíduo, da família, da solidariedade (intergeracional, internacional, inter-étnica, intercultural), da redistribuição da riqueza (no respeito pela propriedade individual) e no apoio aos mais necessitados e aos elementos mais frágeis da sociedade (crianças, idosos, deficientes, doentes crónicos, etc.)

A direita, definimo-la como os princípios da defesa da eficiência económica a todo o custo, do laissez faire das empresas, da desregulamentação extremada, da desintervenção do estado de todas as áreas que não tenham a ver com a soberania, da intervenção bélica em defesa dos interesses económicos. É uma direita que mede o seu sucesso pelo crescimento do PIB e que acha que tudo o resto cabe a cada um resolver por si.

Posta a diferença nesses termos simplificados, com um pontapé em toda a carga ideológica que está por trás, um católico deverá ser de direita ou de esquerda?

Não será uma inevitabilidade para um católico ir roubar todas as bandeiras dessa esquerda simplificada e içá-las bem alto, no campanário de cada igreja?

É essa a resposta que venho procurar a este Blogue e para a qual já recebi muitos contributos muito valiosos.

Falta-me só agora a resposta de quem já provou dominar esta temática melhor do que ninguém, razão pelo qual esta resposta ao Nuno Pombo foi um pouco mais incontinente.

Mas porque é que, afinal, fiquei tão irritado com o post do Nuno Pombo?

Porque, posta a questão nos moldes tão claros em que ele a pôs, resulta que, depois de nos livrarmos de todas as etiquetas ideológicas, tenho fortes suspeitas de que acabaremos por descobrir que estamos ambos do mesmo lado da barricada e não terei mais um adversário de tão alto calibre com quem debater as minhas ideias e enriquecer o meu ideário.
Ao fim e ao cabo, já não podemos discutir o Benfica, pois a perfeição não se discute. Se não tivermos a política, que banais que se tornarão as nossas conversas...

Um grande abraço de muita estima,

Zé Luís

6/20/2007 3:37 da tarde  
Blogger L. Rodrigues said...

Só mais uma acha, neste caso aplicado à terra, mas de onde creio emergirem muitas das noções de propriedade:

Ambrose Bierce (The Devil's Dictionary, 1911) "LAND, n. A part of the earth's surface, considered as property. The theory that land is property subject to private ownership and control is the foundation of modern society.... Carried to its logical conclusion, it means that some have the right to prevent others from living; for the right to own implies the right exclusively to occupy; and in fact laws of trespass are enacted wherever property in land is recognized. It follows that if the whole area of terra firma is owned by A, B and C, there will be no place for D, E, F and G to be born, or, born as trespassers, to exist."

6/20/2007 3:51 da tarde  

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