segunda-feira, junho 25, 2007

Eu Não Sou Liberal

Como dizia o Tiago há dias, o liberalismo está na moda. A conjuntura ajuda, e pode chegar-se lá pela extrema-esquerda libertária, ou pelo capitalismo selvagem. A globalização impõs-se e, antes de começar a produzir benefícios, sofremos os efeitos colaterais, o pior dos quais a passagem dos centros de decisão dos eleitos pelos cidadãos para os eleitos pelos accionistas. Assim, qualquer socialista no governo protesta a sua fidelidade ao credo do mercado e amocha quando o mercado deslocaliza, depois de mamar a cabra dos incentivos. Do outro lado, os velhinhos do Maio de 68 mai'los seus rebentos proibem proibir, e aplicam a sua versão de liberalismo à educação, ao sexo, à eliminação da vida no princípio e no final da vida, ao casamento gay, à liberalização do chuto, à whatever. Os extremos tocam-se: as fábricas de inutilidades planetárias precisam de impor os seus joguinhos, roupinhas, adereços, popós, downloads, e demais imbecilidades que lhes ocorram para espevitar os gráficos de vendas e, para isso, usam a publicidade, sua guarda avançada, para fazer cada jovenzinho gritar que quer ser livre de pais, patrões, leis, polícias e o que quer que lhe belisque o livre acesso à felicidade na terra, com t pequeno. Na televisão, o liberalismo brinda-nos com o que o povo quer, filtrado pelas direcções de planeamento estratégico, que sabem do que os shares gostam: por exemplo, uma mulher com os dias contados que leiloa o rim perante a matula que espuma frente ao ecrã.
Uma coisa é certa: para além do Popper, pouco se ouve denunciar os inimigos da sociedade democrática, porque os modernos profetas, fechadas as portas das televisões e dos jornais, têm de se resignar a clamar no deserto dos blogues. O dinheiro compra tudo, e poucos abrem o bico, não vão esgotar-se-lhes as prebendas. E amoral como é, a nata da nota convive muito bem com tudo o que cheire a dissolução de costumes, porque aí se geram sempre grandes oportunidades de negócio. E o Pais do Amaral, antes de vender a TVI, dizia que a sua família, católica e monárquica, não via a TVI, que horror.
Eu, que sou old-fashioned, no sentido em que, para além da minha opção política, acredito numas ideias suprapolíticas que ouvi há uns 2000 anos, acredito que, qualquer que seja a opção ideológica, há-que desconstruir este mundo, para construir o reino que não é deste mundo.
Para isso, acredito que o Estado - e l'État c'est moi - tem de dar umas palmadas de vez em quando nessa insuportável mão invisível. Paulatinamente, mas firmemente. Assumindo que se deve pôr a trabalhar os calões do Fundo de Desemprego, mas proteger os que não conseguem mesmo trabalho. Fazendo pagar a saúde a quem o pode, mas curando os mais fracos. Dando condições ao ensino público para que possa competir com um privado acessível a todos, impulsionado pelo cheque-ensino. Incentivando os voluntários como os do Banco Alimentar que nos provam todos os dias que sim, há almoços grátis. E sobretudo, atacando sem dó nem piedade os abutres que não pagam impostos para de seguida ostentarem por aí ofensivas riquezas parolas.
O liberalismo está na moda. Mas é uma moda, nada mais. A solidariedade, a preocupação pelos fracos, que não asfixia a livre iniciativa, mas admite alguma intervenção do Estado, está para durar. E é eficaz. Só não se nota mais, porque é discreta, e acredita que uma mão não deve saber o que faz a outra. A não ser que a outra seja a maldita mão invisível.
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