quinta-feira, abril 05, 2007

Cenas de bairro

No 22 está o restaurante do Sr. Teixeira da Cunha, restaurante tradicional, à antiga portuguesa. Um restaurante muito austero. Tectos altos e trabalhados. Toalhas do melhor algodão. Guardanapos de pano. Copos de cristal. Chegou a ser um dos melhores restaurantes da cidade e muitos dos seus impecáveis criados viviam dessa glória passada. A crise, todavia, foi tomando conta do estabelecimento. Dizia-se à boca pequena que o actual chef não estava à altura.
O Sr. Teixeira da Cunha, impressionado com as máximas do marketing que lhe vinham de fora, achou que era chegada a hora de mudar. Vai daí, decidiu começar a publicitar a coisa, a ver se pegava. Foi um sururu lá no bairro. Que sim, claro, disseram os habitantes. O único restaurante como-deve-ser lá do sítio merecia um lifting. A reacção do bairro não supreendeu o Sr. Teixeira da Cunha. Nem ele se lembrava da última vez que se deixara surpreender. No meio de um aplauso geral, lá se começou a preparar a remodelação. Desfez os estuques, baixou os tectos, trocou as toalhas, mais coloridas agora, os talheres e os copos. As luzes foram outras, um pouco mais frias, mas com muito mais estilo. Dias antes da reinauguração do espaço, muito mais cosmopolita, o Sr. Teixeira da Cunha anunciava que o seu iria ser o restaurante melhor do mundo e até, quem sabe, do país. Já imaginava as bichas à porta do restaurante, pessoas a mendigarem um lugarzinho, cunhas e mais cunhas para uma vaga que só seria possível 76 dias depois do pedido. Todos viriam admirar as toalhas, os talheres, os copos. E sobretudo as luzes! Ai as luzes! As luzes eram, sem dúvida, a melhor e a mais admirável inovação. Nenhum restaurante tinha luzes como aquelas. Palavra de Teixeira da Cunha!

O primeiro dia de actividade foi um sucesso. Estava cheio. Gente gira. Perfumada. Era de borla. O Sr. Teixeira da Cunha, que nunca se surpreendera, não se surpreendeu. Era o sucesso que ele merecia. Mas os dias seguintes ... e os meses que se seguiram a esses... nada! Clientes? Nem vê-los...

Revoltado com a reacção de todos quantos haviam jurado fidelidade à modernidade e à inovação, ao brilho e ao design de excelência, o Sr. Teixeira da Cunha decidiu interpelar tudo e todos! Com um sorriso disfarçado, todos lhe foram dizendo, de várias formas e feitios, o que desde o princípio se adivinhara: eram favoráveis a um restaurante inovador, depurado, de tectos baixos e com toalhas coloridas. Nem se incomodavam pelo facto de os talheres serem assinados, apesar de serem pouco funcionais. O pior de tudo era a cozinha. O chef fora corrido mas comia-se pior ainda. Pessimamente. Era bonito, sim! Ousado, claro! mas ninguém encarava a beleza e a ousadia arquitectónicas como critério determinante na escolha de um restaurante. E assim faliu o restaurante do Sr. Teixeira da Cunha. Desta vez, deixou-se mesmo surpreender!

(Texto inspirado neste, do Adolfo Mesquita Nunes, que não pensando exactamente como eu, merece o meu sincero respeito. Tem o inegável mérito de pensar.)

4 Comments:

Blogger AMN said...

Caro Nuno,

Agradecendo e retribuindo as palavras elogiosas, gostaria apenas de dizer que, talvez por defeito meu, não passei correctamente a mensagem que queria.

No meu post, o restaurante do Sr. Silva faliu, porque o Sr. Silva decidiu dar ouvidos a todos os que, muito o respeitando, nunca lá comiam. Esse foi o drama do Sr. Silva.

O meu post não fala, por isso, do Sr. Silva. Em bom rigor, todos os anteriores dono do restaurante acabaram por fazer o mesmo. E não fala, ou não pretendia falar, porque várias vezes disse que não pretendo falar, da situação partidária do CDS no blogue.

O meu post fala, isso sim, dos habitantes do bairro, que nunca vão ao restaurante, mas que não querem que ele desapareça.

Fala, por isso, de todos quantos, nunca tendo votado CDS e mantendo-se fieis ao PSD, pretendem encontrar no CDS um alter-ego dos seus valores, os quais, apesar de tudo, nunca foram determinantes para o voto.

Falo, portanto, de todos quantos vão comentando, blogosfera fora, ao estilo do "eu voto PSD mas era bom que o CDS se mantivesse um partido de valores tradicionais". Uma espécie de repto: se assim é, porque insistem em votar PSD?

Quanto ao futuro do restaurante do Sr. Teixeira da Cunha e do Sr. Silva, irmãos gerentes, (a escolha do meu apelido não foi intencional, mas presumo que a tua o foi), qualquer um deles tem obrigação de integrar a clientela do outro. Foi sempre o que defendi e não mudei de opinião.
Um abraço,
a.

4/05/2007 12:29 da tarde  
Blogger Nuno Pombo said...

Meu caro Adolfo,

Agradeço o teu simpático comentário e percebo bem, com esse esclarecimento, o que pretendeste dizer e acho que, nesse aspecto, tens toda a razão.

Mas julgo que o teu óptimo texto abriu perspectivas diferentes. Não me abstenho de comentar a situação do CDS no meu blog e pretendo continuar a fazê-lo. O meu texto sim era sobre o dono do restaurante e o nome, confesso, foi intencional.

Vamo-nos lendo...
Um abraço,
Nuno

4/05/2007 1:40 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Restaurantes?
São caríssimos e não prestam.
Por isso, mais vale comer em casa, refeições seleccionadas e de qualidade, ou em casa de amigos com os mesmos cuidados.
Além disso, não há necessidade de cunhas para mesa nem a situação desagradável de ter por perto gente que não interessa.
Mais importante: o dono da casa, se for à falência - o que é bem provável nos dias que correm -, não perde o restaurante.
A não ser...

um hehehehe muito triste...

....

4/07/2007 5:19 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

O último comentário foi meu.

Acrescento que comendo em casa, podemos beber e fumar à vontade sem que ninguém nos chateie.

Nuno

4/08/2007 5:10 da manhã  

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