Não havia necessidade?
Na sequência da polémica gerada em torno do discurso do Papa Bento XVI, proferido a 12 de Setembro, na Universidade de Ratisbona e da indignação do mundo muçulmano em face do mesmo, fui confrontada com inúmeras notícias na comunicação social sobre este assunto. O meu primeiro pensamento foi: "Bolas, o Papa Bento XVI meteu o pé na poça" (perdoem-me a expressão). O que é certo é que não tinha ainda lido o discurso que despoletou a referida polémica, o que vim a fazer depois através do link do Vito, que escreveu o post intitulado "Não havia necessidade".
Diz ele:
"Ao contrário do meu amigo Rui Castro, acho que não havia necessidade do Papa fazer uma referência expressa ao Corão e à passagem que deu lugar a toda esta polémica."
A menção expressa ao Corão foi da sura 2, 256 que diz: "There is no compulsion in religion". Sura é o nome dado a cada capítulo do Alcorão (também designado por Corão). O livro sagrado da religião islâmica possui 114 suras, por sua vez subdivididas em versículos (ayat). As suras não se encontram ordenadas por uma ordem cronológica de revelação. O Santo Padre referiu que a tal sura 2, 256, de acordo com os especialistas, é uma das suras primitivas, do tempo em que Maomé ainda não tinha poder e era perseguido. É, no entanto, sabido que houve mais tarde instruções introduzidas no Corão referentes à guerra santa que terão sido da responsabilidade de Maomé. O Santo Padre referia-se, certamente, à "jihad menor" que é descrita como uma guerra santa que os muçulmanos são obrigados a travar contra aqueles que são inimigos do Islão ou seja, daqueles que não se submetem a Deus e à paz (irónico não?).
Relembro a passagem que deu lugar a toda esta polémica:
"Show me just what Mohammed brought that was new, and there you will find things only evil and inhuman, such as his command to spread by the sword the faith he preached".
Ora, esta frase espelha a opinião de um imperador bizantino em conversa com um persa sobre a guerra santa, com a qual o Santo Padre já disse não partilhar.
"Não havia necessidade de abrir espaços para mais uma polémica neste campo."
Concordo, mas decerto não era essa a intenção do Santo Padre.
"Não havia necessidade de se fazer referência a uma passagem da Idade Média para dizer uma coisa tão óbvia para a nossa sociedade."
Da necessidade de fazer referência ao episódio do imperador e do persa que falavam sobre a guerra santa não me pronuncio, pois desconheço quais as premissas que estiveram na base do raciocínio desenvolvido por Bento XVI. No entanto, parece-me abusivo pretender fazer do Islão uma "vaca sagrada", pretendendo calar todos aqueles que denunciam o facto de muitos muçulmanos defenderem a guerra santa, desculpabilizando o terrorismo e a violência perpetrados em seu nome.
"Não havia necessidade de interpretar literalmente uma passagem do Corão, quando o que sempre defendemos foi uma interpretação não literal da Bíblia (pelo menos no Antigo Testamento)."
O Santo Padre não fez qualquer interpretação literal de uma passagem do Corão. São os próprios muçulmanos (os adeptos da intolerância e da violência, leia-se) que o fazem.
"Não havia necessidade de dar argumentos a quem os procura para permitir novos confrontos, sobretudo inter-religiosos."
A intenção do Santo Padre não seria, com toda a certeza, dar argumentos a quem os procura, até porque os muçulmanos que fazem e defendem a guerra santa não necessitam de argumentos (veja-se o caso dos cartoons). O que é triste é ver que a falsa interpretação que foi feita do discurso tenha como consequência que, mais uma vez, os muçulmanos sejam vistos como intolerantes, violentos, terroristas e assassinos. Isto porque haverá muitos que não partilham deste fundamentalismo (a este propósito leiam-se as mais recentes declarações do Imã de Lisboa).
Pior que isso, são as consequências desse mesmo fundamentalismo. Para quem não sabe, uma freira italiana foi assassinada em Mogadíscio, dezenas de igrejas têm sido destruídas pelo Mundo fora, etc...
"Espero (embora infelizmente tenha algumas dúvidas) que este episódio tenha sido por mero descuido e não mais uma "coincidência", agravada desta vez tendo em conta a sua origem."
Também não me parece que este episódio tenha sido um descuido ou uma "coincidência". Mas como Pulido Valente disse e já foi referido mais a baixo: "O mais preliminar assistente de Literatura, História, Filosofia ou Teologia percebe logo três coisas. Primeira, que o Papa não dá o imperador Paleólogo como um intérprete autorizado da religião muçulmana, mas como um como um opositor inteligente à perseguição religiosa. Segunda, que o Papa não esqueceu as perseguições da sua própria Igreja e que usou o imperador por conveniência ilustrativa da desordem moderna. E, terceiro, como o título e o resto da conferência comprovam, que Ratzinger não estava interessado em "atacar" ninguém, estava interessado na dualidade da fé e da razão. Infelizmente, a "rua" islâmica não é o público letrado da Universidade de Ratisbona e começou rapidamente a usual campanha de ódio contra o Bento XVI, que de toda a evidência o deixou estupefacto. O papa já lamentou o equívoco, mas não pediu desculpa. Não podia pedir. Nem pelo incidente, fabricado pelo fanatismo e a ignorância, nem pelo teor geral da conferência de Ratisbona. Ratzinger insistiu que a fé não é separável da razão e que agir irracionalmente "contraria" a natureza de Deus. Não vale a pena entrar nas complexidades do assunto."
Apesar de tudo, o que mais me choca nisto tudo é ver que católicos informados, sem antes lerem aquilo que o Papa verdadeiramente disse, tenham embarcado em críticas despropositadas, levados por interpretações dúbias e tendenciosas efectuadas pela comunicação social (não me estou a referir, como é óbvio, ao Vito!). Mas se calhar é este o preço da nossa liberdade.
Quem estiver interessado em ler o discurso do Papa na íntegra, sugiro que o faça aqui.
Diz ele:
"Ao contrário do meu amigo Rui Castro, acho que não havia necessidade do Papa fazer uma referência expressa ao Corão e à passagem que deu lugar a toda esta polémica."
A menção expressa ao Corão foi da sura 2, 256 que diz: "There is no compulsion in religion". Sura é o nome dado a cada capítulo do Alcorão (também designado por Corão). O livro sagrado da religião islâmica possui 114 suras, por sua vez subdivididas em versículos (ayat). As suras não se encontram ordenadas por uma ordem cronológica de revelação. O Santo Padre referiu que a tal sura 2, 256, de acordo com os especialistas, é uma das suras primitivas, do tempo em que Maomé ainda não tinha poder e era perseguido. É, no entanto, sabido que houve mais tarde instruções introduzidas no Corão referentes à guerra santa que terão sido da responsabilidade de Maomé. O Santo Padre referia-se, certamente, à "jihad menor" que é descrita como uma guerra santa que os muçulmanos são obrigados a travar contra aqueles que são inimigos do Islão ou seja, daqueles que não se submetem a Deus e à paz (irónico não?).
Relembro a passagem que deu lugar a toda esta polémica:
"Show me just what Mohammed brought that was new, and there you will find things only evil and inhuman, such as his command to spread by the sword the faith he preached".
Ora, esta frase espelha a opinião de um imperador bizantino em conversa com um persa sobre a guerra santa, com a qual o Santo Padre já disse não partilhar.
"Não havia necessidade de abrir espaços para mais uma polémica neste campo."
Concordo, mas decerto não era essa a intenção do Santo Padre.
"Não havia necessidade de se fazer referência a uma passagem da Idade Média para dizer uma coisa tão óbvia para a nossa sociedade."
Da necessidade de fazer referência ao episódio do imperador e do persa que falavam sobre a guerra santa não me pronuncio, pois desconheço quais as premissas que estiveram na base do raciocínio desenvolvido por Bento XVI. No entanto, parece-me abusivo pretender fazer do Islão uma "vaca sagrada", pretendendo calar todos aqueles que denunciam o facto de muitos muçulmanos defenderem a guerra santa, desculpabilizando o terrorismo e a violência perpetrados em seu nome.
"Não havia necessidade de interpretar literalmente uma passagem do Corão, quando o que sempre defendemos foi uma interpretação não literal da Bíblia (pelo menos no Antigo Testamento)."
O Santo Padre não fez qualquer interpretação literal de uma passagem do Corão. São os próprios muçulmanos (os adeptos da intolerância e da violência, leia-se) que o fazem.
"Não havia necessidade de dar argumentos a quem os procura para permitir novos confrontos, sobretudo inter-religiosos."
A intenção do Santo Padre não seria, com toda a certeza, dar argumentos a quem os procura, até porque os muçulmanos que fazem e defendem a guerra santa não necessitam de argumentos (veja-se o caso dos cartoons). O que é triste é ver que a falsa interpretação que foi feita do discurso tenha como consequência que, mais uma vez, os muçulmanos sejam vistos como intolerantes, violentos, terroristas e assassinos. Isto porque haverá muitos que não partilham deste fundamentalismo (a este propósito leiam-se as mais recentes declarações do Imã de Lisboa).
Pior que isso, são as consequências desse mesmo fundamentalismo. Para quem não sabe, uma freira italiana foi assassinada em Mogadíscio, dezenas de igrejas têm sido destruídas pelo Mundo fora, etc...
"Espero (embora infelizmente tenha algumas dúvidas) que este episódio tenha sido por mero descuido e não mais uma "coincidência", agravada desta vez tendo em conta a sua origem."
Também não me parece que este episódio tenha sido um descuido ou uma "coincidência". Mas como Pulido Valente disse e já foi referido mais a baixo: "O mais preliminar assistente de Literatura, História, Filosofia ou Teologia percebe logo três coisas. Primeira, que o Papa não dá o imperador Paleólogo como um intérprete autorizado da religião muçulmana, mas como um como um opositor inteligente à perseguição religiosa. Segunda, que o Papa não esqueceu as perseguições da sua própria Igreja e que usou o imperador por conveniência ilustrativa da desordem moderna. E, terceiro, como o título e o resto da conferência comprovam, que Ratzinger não estava interessado em "atacar" ninguém, estava interessado na dualidade da fé e da razão. Infelizmente, a "rua" islâmica não é o público letrado da Universidade de Ratisbona e começou rapidamente a usual campanha de ódio contra o Bento XVI, que de toda a evidência o deixou estupefacto. O papa já lamentou o equívoco, mas não pediu desculpa. Não podia pedir. Nem pelo incidente, fabricado pelo fanatismo e a ignorância, nem pelo teor geral da conferência de Ratisbona. Ratzinger insistiu que a fé não é separável da razão e que agir irracionalmente "contraria" a natureza de Deus. Não vale a pena entrar nas complexidades do assunto."
Apesar de tudo, o que mais me choca nisto tudo é ver que católicos informados, sem antes lerem aquilo que o Papa verdadeiramente disse, tenham embarcado em críticas despropositadas, levados por interpretações dúbias e tendenciosas efectuadas pela comunicação social (não me estou a referir, como é óbvio, ao Vito!). Mas se calhar é este o preço da nossa liberdade.
Quem estiver interessado em ler o discurso do Papa na íntegra, sugiro que o faça aqui.
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