quinta-feira, maio 04, 2006

Sacanas das criancinhas II

O João Miranda volta ao ataque:
"Uma das medidas que o governo pretende tomar para estimular a natalidade é o alargamento da licença de materniade a partir do segundo filho. Esta é uma medida tecnocrática típica da engenharia social. Mas como muitas medidas tecnocráticas não tem qualquer sustentação técnica. É puro senso comum. Mas como já foi demonstrado à saciedade, o senso comum não é o instrumento mais adequado para lidar com fenómenos económicos."
Confesso que não percebo a ideia. E também não sei o que seja "uma medida tecnocrática típica da engenharia social"! Já agora seria bom que o autor do texto explicasse porque é que o alargamento da licença de maternidade se trata de de puro senso comum.
Continuando:
"Dando de barato que o estímulo à natalidade é desejável, uma questão que só por si coloca vários problemas relacionados com a livre escolha dos indivíduos sobre aquilo que querem para as suas vidas, é necessário verificar se as medidas propostas têm o impacto que se espera delas. Ora, quem pensou nestas medidas de incentivo não teve nenhuma preocupação de estudar o problema que pretende resolver. É que se tivesse estudado, provavelemte teria chegado a medidas muito diferentes, algumas delas contra-intuitivas. Há boas razões para pensarmos que este incentivo não vai atingir o objectivo pretendido*."
Se o JM dá de barato que o estímulo da natalidade é desejável gostava que me dissesse porque razão passa o resto do post a criticar as medidas que visam estimular a natalidade. Parece-me um contra-senso. O JM acusa também quem pensou nestas medidas de não ter estudado o assunto. E ele, será que estudou? Será que o exemplo de outros países que têm adoptado medidas parecidas com algum "sucesso" não lhe basta? Ou será que conhece algum sistema com medidas menos "contra-intuitivas" (afinal do que se trata?) que tenha dado frutos? A conclusão de JM parece-me excessiva e sem fundamento. Adiante.
"Para o aumento da natalidade conta tanto o primeiro filho como o segundo como o terceiro. À primeira vista, não é nada óbvio que seja mais fácil estimular o segundo filho com uma regalia social. Por que não estimular o primeiro? Afinal, o que não faltam são mulheres jovens sem filhos. Mas ao optar por estimular o segundo, o estado está a desistimular o primeiro por duas vias."
Mais uma vez JM parte de premissas erradas. Não é verdade que conte a mesma coisa. Desde logo, porque as estatísticas mostram que os casais têm em média 1,... filhos, o que significa que para o primeiro o incentivo é menos necessário. Acresce que, em termos de benefícios para o próprio Estado não é indiferente que os casais tenham 1, 2, 3 ou mais filhos. E este erro de JM vicia todo o raciocínio que se lhe segue:
"Em primeiro lugar, as benesses dadas aos casais com dois filhos são pagas pelos impostos dos casais sem filhos, muitos dos quais gostariam de os ter, mas como pagam impostos elevados para sustentar as benesses dos outros, não os podem ter."
Falsa questão. Os casais que não têm filhos, a não ser por impossibilidade fisiológica (e mesmo estes podem recorrer à adopção), não os têm porque não querem. Afirmar o contrário é pura má fé. Aliás, muitas vezes são esses os casais que optam por beneficiar a carreira em deterimento de ter uma família numerosa.
Já o argumento de que as benesses dos casais com filhos são pagas pelos casais sem filhos é falacioso. Eu, que não recorro aos hospitais públicos e tirei o curso numa privada, também pago com os meus impostos a saúde e os estudos dos outros. Para mais, daqui a 30 anos são os 3 e mais filhos daqueles que optaram por famílias numerosas que vão sustentar a segurança social e outras benesses sociais daqueles que optaram por não ter filhos. Não me parece, pois, que o argumento de JM possa vingar.
"Em segundo lugar, uma medida destas desvaloriza o trabalho feminino no mercado de trabalho. Os empregadores, sabendo que as mulheres têm cada vez mais tempo de licença de maternidade tenderão a descontar esse factor no respectivo salário. Isto significa que as mulheres jovens que queiram ter filhos vão demorar ainda mais tempo a estarem em condições económicas que elas consideram necessárias para os ter."
Aqui recorro a um argumento muito contestado por alguns. Há diferenças objectivas entre os homens e as mulheres. Mais ainda naquelas que decidem ser mães. Não podemos querer tratar de forma igual o que é diferente. A diversidade é positiva. Nem todas as mulheres têm de trabalhar e mesmo as que trabalham podem querer trabalhar em part time e estar disposta a trabalhar menos. Isso é uma opção que cada mulher tem de tomar. E não me parece que aquelas que decidem não ter filhos sejam prejudicadas, bem pelo contrário.
"Este é o tipo de medida que contribui para a divisão da sociedade em duas castas. A casta dos cidadãos com mais de 35 anos com família, emprego estável, benesses sociais e a casta dos cidadãos com menos de 35 anos no desemprego ou sem estabilidade no emprego, sem família e a contribuir para as benesses sociais dos outros. O tempo que cada cidadãos demora a passar de uma casta para a outra é cada vez maior e essa é a principal causa da queda da natalidade."
Não tem a ver com castas, mas sim com opções. Quem optar por ter filhos terá mais despesas, menos rendimento disponível, menos tempo, mais chatices, etc. Quem optar por não ter filhos terá maiores possibilidades de ter uma carreira de sucesso, terá um rendimento maior para investir, etc. Não me parece que a idade seja um factor determinante.
"Um outro problema desta medida é que os seus efeitos nunca serão verificados. Não haverá nunca uma avaliação da medida. Nunca ninguém se dará ao trabalho de verificar se a medida X tomada pelo político Y teve ou não o efeito Z. Se a medida não produzir efeitos nunca será revogada. Aliás, dada a complexidade das sociedades e dados os múltiplos factores que afectam a natalidade, nunca ninguém poderá alguma vez quantificar os efeitos de medidas deste tipo. Mas se isto é assim, por que é que estas medidas continuam a ser tomadas? Porque o senso comum dos políticos é partilhado pelo senso comum da população em geral, e como os seus efeitos nunca são quantificados, as medidas baseada no senso comum serão sempre populares, mesmo que produzam resultados contrários aos desejados."
É evidente que o resultado pode ser verificado. Não o será pelo JM ou por mim que somos leigos na matéria. Mas tal como o JM sabe de economia ou de outro assunto qualquer, porque o estudou, também há gente que se dedica a este tipo de assuntos. Não queiramos apropriar-nos da ciência dos outros.
"*Para além de que a maior parte do dinheiro dispendido no incentivo servirá para incentivar aquilo que de qualquer das formas as pessoas já estariam dispostas a fazer sem incentivo. Supondo que a medida faz aumentar o nascimento de segundos filhos em 10%, então aprox. 90% do dinheiro dispendido será atribuido a quem não precisava do incentivo para ter um segundo filho. Esse dinheiro será cobrado sob a forma de impostos e desencintivará a natalidade entre aqueles que não têm filhos. Ou seja, 90% do dinheiro servirá para desincentivar a natalidade."
Não concordo. Não se trata só de incentivar mas também trazer alguma justiça à realidade actual. Porventura, muitos dos que investem em acções também não precisam de isenção de mais valias nos ganhos com a venda de acções detidas por mais de 12 meses; ou os Bancos com alguns dos benefícios que têm. E não será por isso que vamos acabar com esses benefícios.
Tenho para mim que a crítica a estas medidas do Governo não passam do resultado de uma intolerância que grassa na nossa sociedade. Intolerância essa que se manifesta perante todos aqueles que tomam determinados tipos de opções.
As medidas que o Governo adoptou e as que ainda estão em estudo vão não só incentivar a natalidade como também rectificar o que estava mal. Lembrem-se que, também relacionada com estas medidas, temos ainda de acabar com a discriminação fiscal positiva que se faz dos unidos de facto e divorciados relativamente àqueles que decidem casar.
BlogBlogs.Com.Br