quarta-feira, outubro 31, 2007

Os ricos cada vez mais ricos

Warren Buffet é o terceiro homem mais rico do mundo. Na tradição de Carnegie e de George Soros é um homem que associa o seu sucesso a uma ética incensurável, tendo mesmo decidido oferecer a própria fortuna à fundação do amigo Bill Gates, que desenvolve programas para acabar com muitos dos males do mundo. Isso demonstra duas coisas: que não é apegado ao dinheiro e que nem sequer o dedica a perpetuar o seu nome como filantropo, pois canalizou-o para uma fundação que nem tem o seu nome. ---
Mas Warren Buffet tem em comum com George Soros uma característica ainda mais interesante: adora irritar os seus amigos bilionários que tudo fazem para acumular fortunas sem fim, sem olhar a meios ou pormenores éticos.
Assim, depois de George Soros ter investido muitos milhões de dólares a tentar derrotar o presidente que lhe deu o maior corte fiscal para grandes fortunas da história dos EUA, por achar imoral a política económica, bélica e fiscal do incumbente da Casa Branca, eis que Warren Buffet lhe segue as pisadas com ainda maior ironia.
Trabalhando num escritório com 18 funcionários, convenceu 15 a publicarem as suas declarações de rendimentos por comparação com a sua própria declaração.

A conclusão? Apesar de Warren Buffet não recorrer a paraísos fiscais, buracos na lei, consultores fiscais ou manobras menos claras, paga uma taxa de imposto efectiva de 17%. Limita-se a cumprir a lei fiscal canónica dos Estados Unidos, sem nenhuma criatividade.

Dos seus 15 funcionários, concluiu que todos, a começar pela recepcionista, pagavam uma taxa de imposto efectiva superior à sua. Nenhum funcionário pagava, percentualmente, menos do que o terceiro homem mais rico do mundo.

Esse foi o mote para uma campanha que iniciou junto do Congresso dos Estados Unidos para que lhe aumentem os impostos (daí as suas poucas amizades entre os muito ricos da sua roda). Não satisfeito, decidiu oferecer um prémio de caridade de um milhão de dólares a qualquer um dos membros da lista de 500 mais ricos da Fortune, que demonstre que paga mais, em percentagem, do que um seu funcionário de escritório. Até ver, ainda ninguém se chegou à frente para reclamar o prémio.

Por muita piada que a situação possa ter e por muito que nos encoraje saber que algumas pessoas sabem dar bom uso ao muito dinheiro que têm, ela é também sintomática de uma situação extrema a que chegámos no mundo de hoje. Nunca os 500 homens e mulheres mais ricos do mundo detiveram uma percentagem tão alta da riqueza mundial. Há quarenta anos atrás, quando a maior parte dos lares do mundo ocidental vivia com um só ordenado, o rendimento disponível das famílias era superior ao que é hoje.

Já não estamos a falar de pobres cada vez mais pobres e ricos cada vez mais ricos. Estamos a ver já a própria classe média a soçobrar num mundo demasiado dispendioso para os seus rendimentos. A excessiva concentração do dinheiro que hoje existe acabará por dar muito mau resultado. O poder privado e das empresas, que não está sujeito a controlos democráticos pela sociedade, é cada vez mais óbvio. No Iraque, uma boa parte da guerra é combatida por exércitos privados como o agora tão tristemente famoso Blackwater. Altos oficiais norte-americanos como o o Brigadeiro hoje atingido por um atentado, viajam em Bagdade com escoltas privadas. As campanhas eleitorais são ditadas pelas contribuições de uma mão-cheia de pessoas a quem só interessa manter o estado de coisas.

Isto por algum lado terá de ceder. Gestos como o de Warren Buffet são de saudar, mas a redistribuição do rendimento por transbordar a chávena não é viável a longo prazo. É necessário encontrar um novo modelo redistributivo que, de facto, funcione.

2 Comments:

Blogger Jorge Ferreira Lima said...

Excelente excelente post. Mas como sempre, uma pequena falácia escondida, tipo onde está o Wally. Quando dizes que o rendimento disponível da classe média é menor, estás a entrar em conta com a miríade de bens, grande parte dos quais supérfluos, que dantes nem se imaginava comprar, e que consomem esse rendimento?
Dito isso, não há dúvida de que o argumento de impostos baixos para estimular os empreendedores, que eu subscrevo se aplicado com moderação, está a ser levado a extremos escandalosos. E não podemos contar com a bondade individual do bilionário. Ela é sempre, em todos os sentidos, extraordinária.

10/31/2007 9:11 da manhã  
Blogger José Luís Malaquias said...

O rendimento disponível, que se entende como o rendimento do trabalho depois de deduzidos impostos e o custo da habitação, é de facto menor.
O que permite hoje comprar todos esses bens supérfluos de que tu falas é o facto de haver dois rendimentos dentro de casa, em vez de apenas um. Hoje, começa a ser impossível uma família sobreviver com apenas um rendimento, o que era perfeitamente possível há 40 anos atrás.
Além disso, esses bens supérfluos estão artificialmente baratos porque são produzidos nos países BRIC por mão de obra extremamente barata e, no caso, da China, até por prisioneiros em prisões-fábrica. Quando esses países subirem os seus ordenados, mercê do desenvolvimento de que beneficiam, é duvidoso que se continue a poder comprar bens por um décimo do preço que eles custariam a produzir na Europa ou nos EUA.

11/01/2007 10:16 da manhã  

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