segunda-feira, junho 02, 2008

Luís Filipe e Jorge Nuno


Quando a segunda-feira reclama domínio sobre a minha mente adormecida, quando o zapping se revela espectáculo demasiado exigente, quando as próprias cruzadas do Expresso, habitualmente tão previsíveis, me parecem mais enigmáticas que os trechos mais obscuros do Apocalipse de S. João, entrego os pontos e vou até à janela. É quase certo encontrar Luís Filipe e Jorge Nuno, os putos mentores do futebol aqui no pátio.
Luís Filipe e Jorge Nuno são muito diferentes um do outro.
Luís Filipe parece só conseguir reunir gente para a sua equipa de duas maneiras: ou fazendo promessas que nunca chega a cumprir de ir buscar grande craques ao bairro vizinho, para vencer todos os torneios aqui do pátio, ou intimidando a malta com o seu olhar de baixo para cima e o seu buço a despontar. É um mito urbano aqui das redondezas que guarda as coisas mais incríveis dentro dos pneus da bicicleta, mas nunca ninguém o pôde confirmar.
Já Jorge Nuno é outra loiça. Apesar de recitar impecavelmente o «Cântico Negro» e trautear sem fífias o «Für Elise», não é nenhum menino de coro, e são muito faladas as várias tácticas que tem usado, embora nunca provadas, para conquistar a simpatia dos «árbitros» que regulam os torneios da bola do pátio. Há quem diga que alguns têm levado para casa cromos, berlindes e matutazos, mas a verdade é que, sempre que há campeonatos, a equipa do topo norte, da qual é o chefe incontestado, ganha com tal avanço que obriga todos os seus adversários (isto é, todos menos Luís Filipe) a calar-se enquanto engolem mais um sapo, e os seus companheiros a perguntar-se se valerá a pena gastar cromos e pôr-se nas bocas do mundo só para conquistar uns pontitos, quando a superior qualidade da equipa, de qualquer maneira, assegura sistematicamente vantagens dilatadas.
Este ano, porém, a coisa fia mais fino. Desesperado por ter perdido mais uma vez o campeonato, desta vez por uma cabazada de vinte pontos, Luís Filipe remeteu-se ao quarto, lugar onde cura habitualmente os amuos e, quando de lá saiu, apoquentado pelos murmúrios da malta da zona sul do pátio, que começavam a resmonear contra as promessas nunca cumpridas do seu chefe, foi buscar brigas antigas, nomeadamente uma dessas tais histórias de cromos pretensamente oferecidos aos juízes por Jorge Nuno, parece que no campeonato de há quatro anos.
Ardilosamente, Luís Filipe deu-se ao trabalho de convencer a malta do campo de jogos, onde se organiza anualmente o super-campeonato onde se defrontam os melhores dos vários bairros, e onde a equipa norte está sempre presente, e a sul sempre ausente, de que as tropelias passadas de Jorge Nuno - as quais, num daqueles momentos de candura tão característicos das crianças, este admitiu - incapacitaria os seus inimigos confessos de participar, assim abrindo caminho à entrada de quem lá não conseguiu chegar por mérito próprio.
E pronto. Tenho de voltar ao trabalho, pelo que não posso assistir ao resultado final desta miserável manobra de secretária. Fico curioso, mas não muito, porque sei que Jorge Nuno vai voltar a sair por cima, e ganhar o inter-bairros, como já aconteceu umas poucas de vezes. Mas fico meio deprimido quando vejo as crianças, em vez de simplesmente jogarem à bola, parecerem querer imitar as safadezas dos adultos.

1 Comments:

Blogger L. Rodrigues said...

Eu mantenho que o quarto era o melhor, face ao terceiro. E por isso a vitória na secretaria a haver, pode bem ser pírrica.

6/02/2008 3:46 da tarde  

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