quarta-feira, outubro 03, 2007

O Síndrome de Estocolmo

É bem conhecida a perturbação psicológica que leva a vítima de um sequestro a estabelecer laços afectivos com o sequestrador. Deve o seu nome a um caso de tomada de reféns que teve lugar na cidade do mesmo nome e acabou com o casamento entre uma das vítimas e um dos sequestradores, após este cumprir pena. Os entendidos vão buscar a explicação do fenómeno à irmandade súbita que se estabelece entre uma vítima objectiva e alguém que se vê a si próprio como vítima, bem como à dependência mútua vital entre um e outro durante várias horas intensamente vividas.
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O Síndrome de Estocolmo, se é invocado nas horas dramáticas das tomadas de reféns, ocorre com muito maior frequência do que se julga, em outras circunstâncias aparentemente mais banais, e por isso despercebidas. Por exemplo, entre o cidadão que quer marcar uma consulta num hospital do Estado e se sente sequestrado pela funcionária de cuja arbitrariedade, do outro lado da linha, depende a sua consulta e daí a sua saúde. São conhecidos casos de pacientes muito pacientes que, neste tipo de situações, abdicam do seu direito constitucional de chamar vaca gorda à dita funcionária prepotente, para em vez disso se lhe dirigirem com gentileza subserviente, suplicando-lhe a marcaçãozinha. E, conseguida esta, dizem de si para consigo ao pousar o auscultador que a megera não era assim tão má e ponderam convidá-la para o aniversário dos filhos.
Este síndrome passa porém ainda mais despercebido no universo político. Vejamos o caso recente das eleições directas do PSD. Dir-se-ia que a breve passagem de Santana Lopes pelo poder constituiria um antídoto definitivo num partido democrático consolidado. Ou que o vazio programático de Menezes balizaria Gaia como seu Princípio de Peter. E no entanto... os dois acabam de ser eleitos líderes do PSD. Mais Santana, claro, mas também, como em breve se descobrirá, Menezes. Nasce aqui um novo reality show mediático, em especial quando os dois se engalfinharem em horário nobre, mas cabe uma pergunta: como foi possível tamanhas nulidades voltarem a sequestrar uma instituição democrática cimeira, e desta vez com os votos directos dos eleitores? O que faz com que um indivíduo detentor das suas faculdades mentais, deposite o seu voto no ticket Santana-Menezes, mesmo dando um desconto à pequenez da alternativa? Porque será que, depois de uma reacção inicial de repúdio das acções destas abencerragens que nos encurralam no rectângulo, apontando-nos às têmporas a sua legitimidade eleitoral, como que lhes vamos ganhando afecto? Porque dizemos para nós mesmos «É um anormal populista, mas mas é o meu anormal populista», ou «Ele espanca-me a inteligência, mas gosta de mim»? Porque será que grandes amigos nossos e grandes familiares se zangam e alteram connosco, quando defendemos um bilhete só de ida para o Tarrafal a estes jograis, e invocam que nunca lhes foi dada oportunidade de mostrar o que valem?
O leitor tem resposta? Eu também não. Mas eles, hélàs!, têm sempre uma resposta na ponta da língua. E Sócrates segue o seu caminho tranquilamente rumo a uma nova legislatura. Não contem com ele para mandar os GOE salvar estes reféns que vão para a cama com os sequestradores.

4 Comments:

Blogger José Luís Malaquias said...

Eu digo, mas o Jorge não acredita. O PSD e o PS são partidos eminentemente podres. Está-lhes no ADN. São feitos de gente fraca que não presta e gente fraca que não presta elege gente fraca que não presta. O que está a acontecer é tão inevitável como a Máfia eleger para capo um mafioso.

10/03/2007 12:02 da tarde  
Blogger Jorge Ferreira Lima said...

Diria mesmo mais... iminentemente podres.
E agora a sério: vcs de esquerda insistem em não ler a história. Isto é um já demos. É um intervalo para palhaços. É um aperitivo. É um seguimos dentro de momentos. A seguir vem o sebastião relvas ou o sebastião sarmento ou o sebastião aguiar e faz duas legislaturas. Só me pergunto é se terá tintins para enfrenter o sócrates já em 2009.

10/03/2007 12:24 da tarde  
Blogger Paulo MR said...

Blogar é mais fácil do que dirigir.Os partidos e os militantes não são melhores nem piores à esquerda e à direita. Aliás, até fica mal esse tique sulista, elitista e iluminista de esquerda que apresenta. É certo que não é o melhor principio esta federaçãozinha de pequenos interesses autárquicos como principio de governação. Mas nem Barroso nem Sócrates receberam o poder com grande preparação e visão estratégica. E as consequencias estão à vista. Ainda não saimos do Pantano que Guterres abandonou em 2000.O desemprego aumenta e o tal problema estrutural continua. A despesa corrente está incontrolável e corta-se no investimento. Mas não existe plano tec. que faça um by pass milagroso ao nosso modelo de desenvolvimento. Temos todos de estudar mais, investir individual e colectivamente em trazer valor para o nosso trabalho. E não vejo, nem à esquerda nem `direita muito mais alternativa que não viva de descontentamentos e fraquezas alheias.
Quanto à qualidade dos lideres vocês apenas retratam o que dizia o Charles Handy a propósito da qualidade dos lideres em Inglaterra."Sempre considerou que eram pessoas notáveis e sábias, até chegarem lá(ao governo) alguns dos seus ex-alunos.

10/03/2007 6:52 da tarde  
Blogger Jorge Ferreira Lima said...

Caro Paulo:

Claro que blogar é mais fácil do que dirigir, por isso é que eu blogo. Mas mesmo assim dirijo-me a si, para lhe dizer que não percebi se o seu comentário é uma contestação ao meu post, porque eu concordo com quase tudo o que Você diz. Só com uma excepçãozinha, e mesmo assim parcial: quando os políticos ingleses são fracos, estão apesar de tudo integrados num sistema que lhes cobre as falhas, ao passo que por cá...

10/04/2007 9:10 da manhã  

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